prólogo

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Você leu primeiro Estranhamente? Leu os avisos de gatilho? Então bem-vindo e boa leitura nessa descoberta de quem é a Lauren.

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Segundo William Shakespeare, o passado é um prólogo. Isso já é o bastante para que eu queira deixar tudo para trás, certo?

Pois bem. Sempre me achei incapaz. Eu sei, é idiota, mas era tudo o que me restava quando eu não tinha nada e não era ninguém. Eu não sou ninguém além de uma grande pedra e pedras não são humanas, bem sabemos. Eu sempre fui um silêncio intenso também que, de tão intenso, implodia. Aquele silêncio incômodo e constrangedor. O ruído mudo de um fim trágico, do fatal que atinge o fim da vida, mas que em meu caso não me permitia nem viver, nem morrer.

Sim, eu não sabia bem o que desejava mais, mas desconfiava muito da existência da vida. Quero dizer.. a dúvida é traiçoeira, é bem o que Shakespeare diz, que nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar. E eu morria por dentro acabando com as dúvidas com toda minha força. Sim, me matando porque não faziam isso fora de mim com algum êxito. Eu me acabava. Eu era isso, uma implosão de sentidos dolorosos e raivosos. É uma boa palavra para me definir, e eu gosto de boas palavras. Elas não fazem sentido do lado de fora, mas me explicam do lado de dentro.

O lado de dentro é o que apenas eu me importo. É aquele que ninguém olha nem mesmo de esguelha. É feio, escuro, assustador - assustadiço, eu corrigiria bem aqui - e mesmo se quisessem, duvido que conseguiriam alcançar porque eu não confiava que entrassem em minha cela. Eu era minha própria prisão. Era as grades e as algemas. Era as janelas inacessíveis.

Não sou burra. Nunca fui. Não entender certas coisas não faz de mim uma pessoa burra.

Isso é o que Allyson diz, e ela era muito sábia. Era o ponto de inteligência que me perfurava e enchia de esperança.

Allyson é minha prima mais velha. Eu não a conhecia até pouco tempo. Na verdade, eu só era pequena demais para me lembrar dela em uma época em que eu não tinha somente papai e mamãe porque sim, para minha surpresa, houve um tempo em que as pessoas me conheciam, mesmo que por um monstrinho incontrolável. Era estranho pensar assim. Por que controlar alguém? E eu respondo amargamente: porque pessoas machucam pessoas, e tem pessoas que não podem ser machucadas, como é o caso da família e todo o resto porque todos importam, menos eu.

Todos são importantes, menos eu. Tudo é importante.

E, bom, acontece que Allyson também é a pessoa mais inteligente da família. Isso é o que ouvi de mamãe no jantar enquanto eu separava as ervilhas do arroz quando ela estava distraída demais para dizer — Lauren, pare de brincar com a comida!

Não. Aquele dia ela contava a papai como Allyson era inteligente, tinha feito direito na faculdade e isso era tão complicado, mas ela logo conseguiu um trabalho como investigadora. Disse que sabia que ela teria futuro desde que saiu de casa para fazer a faculdade dos sonhos.

Eu tinha um sonho. Eu queria sair de casa. Queria ser uma pessoa capaz e como todas as outras. Eu sempre fui inteligente. Podia fazer isso. Podia também, desse modo, ser o orgulho que mamãe expressou abertamente ao falar de minha prima. Não, eu não me sinto amarga sobre um evidente talento, mas eu também queria isso. Ser o orgulho. Fazer o que amo.

E eu podia fazer isso porque fazer o que se ama é fácil para mim. como Shakespeare diz, a paixão aumenta em função dos obstáculos que se lhe opõem. Difícil, para mim, era viver.

— Quero ir – me forcei a dizer porque precisava disso – para a faculdade.

Houve um silêncio tão grande que precisei olhar de canto para onde estavam. Depois voltei ao meu prato porque, sinceramente, eu conseguia pensar melhor sem ver as pessoas me encarando. Eu comecei a me imaginar lá fora, algo além da janela do carro, algo além de clínicas e do quintal de minha casa. Tudo além da biblioteca que já não sustentava meus gostos e nada tinha de diferente. Algo além de ter apenas meus pais.

É um sonho e, mesmo que sonhos machuquem às vezes, podia ser que acariciassem também as feridas que toda a existência causava.

— Lauren... – mamãe vinha com aquela pausa – você não precisa ir para a faculdade. E lá é muito difícil para você. Não vai aguentar.

Suspirei, sentindo a incapacidade. Eu era sempre incapaz, mas não queria mais isso. Queria poder, esse é o fato. Poder me tornava grande mesmo sendo apenas um desejo. Eu me via lá e nada podia arrancar isso de mim.

— Eu quero ir – insisti porque o desejo me amarrou ao leme da navegação da aventura arrebatadora em minha mente e me permitiu gritar ao universo uma liberdade tão aguardada e tão impossível.

Mamãe diz que sou teimosa. O tempo todo. Não entendo por quê. Eu só tenho vontades e por vezes elas não conseguiam se dobrar para o que eles queriam, e o que eu queria era me enfiar nessa história cheia de traumas, dor e amor imenso. Coisas que eu não sabia o que era e de repente passei a ter. Eu precisava ir.

— Não, Lauren – ela também estava sendo teimosa? – você não consegue viver sem a gente.

Me desconectei deles. É, eu faço de propósito às vezes. Quero dizer... eu não conseguiria mesmo?

Sou crescida. Sei me banhar e comer morangos. Sei vestir minhas roupas. Sei fazer o que amo, que é arte. Sei respirar. Acho que é um bom começo, eu só precisava provar, devorar tudo para que me colocasse naquele lugar. Eu só precisava saber como entrar e...

— Quero conhecer Allyson – me exprimi em uma ideia súbita que nada tinha parte sobre a novidade de uma pessoa aparentemente desconhecida em minha vida.

Me esforcei para olhar os dois porque... mesmo que doa, eles gostam assim. Papai e mamãe tinham gostos estranhos. Essa coisa de olhar não tinha sentido, porque o importante, para mim, era viver.

Eu insisti. Insisti tanto que consegui. Eu era teimosa, mas isso que fez com que começasse minha vida.

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Esse é um pedaço de como nossa Lauren funciona em sua mente. Espero que gostem e que estejam ansiosos por mais.

E que tenham mesmo lido o livro 1.

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora