cinco - descontroladamente

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Correspondente ao capítulo 5 de estranhamente.

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Aqueles que se entregam descontroladamente aos impulsos da “natureza interior” não vivem sem correr um certo perigo. As ondas da espontaneidade podem desmanchar-se ao se esbaterem contra penhascos da dura realidade. Dessa vez, acredito que Arthur Schopenhauer está correto. Preciso me explicar? Minha "natureza interior" e espontaneidade precisavam ser derrubadas e sempre eram jogados pelo tal "penhasco da dura realidade".

Hoje não estava nada bem. O dia anterior foi aterrorizante e eu não tinha nada para me agarrar senão esperar que acabasse e eu sobrevivesse como em cada dia.

Foi por isso que acordei extremamente cedo e sem sono. Tive medo de como seria o dia depois do desastre de ontem. Não sei o que era pior, desistir e esperar que o turno acabasse, ou desistir e ter que resistir porque queriam que eu resistisse.

Era muito mais fácil quando eu era criança e não entendia nada. Não que eu entenda muita coisa, mas antes eu não entendia o que faziam comigo e apenas sabia que era um tratamento doloroso e que gastava minha energia demais para que eu conseguisse externar qualquer descontrole. Claro que não entendia com todas as palavras, mas sentia isso e consegui me explicar quando cresci. Sobrevivi explicando a mim mesma que eu tinha cura, que as pessoas ficavam mais tempo ao meu redor mesmo que eu fosse estranha, mas nesse dia, eu estava cansada demais para permitir que me vissem.

Eu queria que me curassem logo, mas insistiam que tudo o que podiam fazer era evitar que piorasse, me manter sob controle. Eu era um caso demorado e difícil. Era ruim o bastante para estender meu dia.

Lauren, você vai passar por mais esse dia e ficar melhor que antes - eu repetia para mim tentando me consolar porque eu não sabia onde queriam chegar com tudo isso e o que seria aceitável para alguém como eu. Como eu chegaria em um lugar que não sabia?

E eu apenas me arrastei da cama para viver um pouco sozinha. Era tão cedo que nem Camila acordaria. Era lamentável, mas bom porque não sei se teria forças para agir normalmente. Eu não queria ser tão ruim quanto já era, mas eu sabia que estava em um limite perigoso de autocontrole.

Eles vão adorar isso.

Quanto mais resistente, mais eficaz, diziam. Deixava a minha energia ruim ali. Sempre que eu ia no psiquiatra avaliar minha situação ele dizia isso. Estava indo bem, eles iriam regular que remédios porque eu era um caso muito avançado.

Então eu nunca melhorava?

Nunca consegui perguntar.

Peguei minha tigela exaustivamente. E meus morangos se aquietaram no fundo da mesma forma que eu não aguentava mais, ainda que o dia tivesse apenas começado. Me sentei próxima ao balcão sem vontade nenhuma. E comecei a comer sem o menor prazer, apenas hábito para me manter a mesma pessoa de todos os dias.

Cinco voltas. Mordida. Degustação. Cinco voltas. Mordida. Degustação. Cinco voltas. Mordida. Degustação.

Isso estava horrível. Era como sugar papelão, ou ao menos eu imaginava que seria assim. Mas eu precisava continuar ou enlouqueceria. Ainda haviam doze morangos na tigela.

— Bom dia, Lauren – mas o quê?

Parei o que fazia. Estava tão cansada que não consegui lembrar de imediato como ser educada e acabei fazendo no automático mostrando como sou idiota.

— Obrigada. Bom dia, Cam-i-la.

Idiota, eu disse. Eu nunca conseguia dizer o nome dela em uma única sequência e ele nem era grande. 

Olhei para ela, reparando que não vestia seus pijamas ou roupas surradas. Parecia prestes a sair, mas era tão cedo! Ela estava tão bonita!

— Acha meu nome difícil? – perguntou abrindo um sorriso pequeno que fez meu coração exausto, que normalmente acelerava em sua presença, parar de bater porque agia descontroladamente perto de Camila.

LIVRO 2 - intensamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora