Capítulo 1

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Meu pior pesadelo tinha se tornado realidade, enquanto o Sebastião dirigia pela estrada de terra em direção à fazenda de café, estou tremendo. Quando entrei na caminhonete do Sebastião as lágrimas não paravam de cair, parecia que os meus globos oculares tinham uma fonte infinita de lágrimas. Pisco várias vezes, a minha visão está muito embaçada, olho para o meu lado, Cristina segurando a minha mão firmemente. Ela tinha razão desde o início, Leôncio seria cruel comigo e jamais me perdoaria os meus erros. E as minhas pernas são provas de tudo isso, as pontadas e o sangramento são os exemplos que estão por vir. Estocava o sangue usando a minha mão, e a outra perna era a Cristina que cuidava.

— Falta muito pra chegar? — Cristina perguntou, não parava de mexer a barra do seu vestido.

— Pelos menos meia hora — Respondeu — Paola? Eu entendo a sua parte de mentir nessa história toda, você não tinha opção e o senhor Leôncio está sendo bastante cruel com você, não tenha medo. Daqui a pouco, ele vai se arrepender e te buscar junto com a sua mãe.

Novas lágrimas inundaram meus olhos. Mordo os meus lábios para conter um grito, eu vi os olhos dele, Leôncio nunca vai me perdoar pela traição. Eu estou quase ciente que o meu destino é sofrer e ficar uma dessas fazendas, mais cedo ou mais tarde o destino pega a gente e nos obrigue cumprir o nosso papel que o ele fez para gente quando nascemos. Eu até escapei das suas linhas tortas, mas fui egoísta, mesquinha e destruí quatro vidas: Oliver, Richard, Amy e a Laura, as suas vidas destruídas serão a minha carma a partir de agora, não aproveitei a minha escapatória. Eu tinha tudo na palma da minha mão, conseguir privilégios que uma pessoa comum jamais teria. Para quê? Jogar tudo no esgoto por causa da minha ganância de querer mais.

E agora, pagarei os meus pecados e levando a única pessoa que me alertava sempre por causa das minhas atitudes: A minha mãe.

Perdoa-me, por ser uma péssima filha!

Quase abro a porta do carro para me jogar na estrada de terra quando a caminhonete chegou ao seu destino. Os portões foram abertos, atrás dessas grades metálicas homens fortemente armados apareceram para nos receber e tive uma imensa vontade de vomitar, ponho a mão sobre o meu estômago.

— Chegamos, senhoritas.

A caminhonete entrou no terreno, e pude ver a minha nova vida, têm pessoas de várias nacionalidades com suas expressões de derrota, cansada, rosto queimado pelo sol, pele envelhecida e em seus ombros carregando enxadas sujas de terra. O automóvel andou mais um pouco, e chegamos ao nosso destino, parecia um alojamento só de mulheres, casa branca e grande. Saímos no carro, ignorando a dor das minhas pernas e a pontada do meu ventre. Cristina coloca o meu braço em cima do seu ombro, acompanhamos o Sebastião. Algumas dessas mulheres segurando os seus bebês recém-nascidos, e as outras estão grávidas. Como é possível? Vivendo nesse inferno e como são capazes de reproduzir? Ou são frutos de violência?

— Essa é a nova casa de vocês, aproveitem.

— Pelo amor de Deus — Cristina se lamentava — É tudo culpa sua e dessa buceta fogosa.

— Agora é tarde, mamãe.

Respiramos fundo e entramos, até que o cheiro não é tão desagradável, tem cheiro de lavanda. O local é organizado, a cada lado tem cinco camas de boliche, no final do corredor tem camas duas vazias que provavelmente serão nossas.

— Paola e Cristina, as novas funcionárias. Por favor, as recebam com bastante carinho.

Percebo que essas mulheres estão ecoadas e com medo, se escondem entre os lençóis desgastados e sujos. Todas estão olhando horrorizadas para Sebastião, não precisa ser inteligente para entender o que está havendo aqui, Sebastião provavelmente está abusando dessas mulheres, aliás, os homens nesta fazenda estão. Comigo aqui, a festinha particular chegou ao fim. Leôncio pode até está me odiando nesse exato momento, porém, jamais deixaria que um deles me tocasse.

— Já pode ir, Sebastião. — Digo.

— Licença.

Se despede da Cristina e sai, as expressões dessas mulheres mudaram. Puderam respirar novamente sem a presença de Sebastião, sem dizer nenhuma palavra, caminhei para a minha nova cama. Entretanto, fui impedida pelo caminho por três mulheres diferentes.

— Onde vocês vieram? — Perguntou uma mulher negra, abaixo do seu olho esquerdo está roxo e o seu lábio inferior cortado.

— Eu sou como vocês, escrava pelo sistema Hernández e infelizmente, fiz escolhas erradas e vim parar aqui. Sou a Paola Flórida.

— Paola Flórida? — Diz uma mulher asiática.

— Você é a mulher de Leôncio Hernández? Aquele homem miserável, que está nos prendendo nesse inferno por tantos anos — Esbravejou uma mulher irritada, saiu da cama e foi caminhando até em minha direção, pude perceber que ela está sem a mão esquerda — Isso mesmo, olha para a minha mão amputada sua puta. Olha que o seu macho fez comigo — Suspendeu — Arrancou a minha mão só porque roubei alguns grãos e quase morri por causa de uma infecção.

Leôncio fez isso com ela? Impossível.

— Está havendo um mal entendido aqui. — Digo — Sou ex-mulher dele, na verdade, eu era apenas um corpo para ele ansiar à noite. Olha para mim — Apontei para as minhas pernas - Aquele filho da puta cravou duas vezes a faca em mim e espancou a minha mãe, sou inocente igual à vocês, trabalhei desde dez anos até dezoito anos.

— Se ela está falando a verdade, podemos confiar nela. — Diz a mulher asiática — A propósito, meu nome é Carla.

— Carla? Como? Seus olhos são puxados, sem querer ofender.

— Sou brasileira, e tem muitos asiáticos lá. É um país multicultural, sou de São Paulo e antes de vir para cá, eu era enfermeira.

— Eles te capturaram quando estava atravessando a fronteira?

— Todos nós fomos capturados pelos saqueadores, são grupos de homens que roubam os pertences que vão para o deserto para tentar a sorte. Rouba de tudo, até a nossa liberdade e os nossos filhos. Eles mataram o meu marido e tiraram o meu bebê de quatro anos de mim, venderam, e estou presa há dez anos - Diz a mulher sem a mão - Meu nome é Kátia, antes de tudo isso, eu trabalhava na contabilidade em Goiás, e sou brasileira.

Olho em volta, todas essas mulheres tem uma história para contar. Perderam a sua liberdade, a sua família e os seus filhos, aos poucos a minha ficha está caindo, nunca imaginei que o Cartel Hernández é tão cruel assim, prender essas pessoas como se eles fossem animais. A escravidão acabou quinhentos anos atrás.

— Eu não fazia ideia como funcionava, bom, morei aqui. Mas, eu sabia só o básico.

— Vamos minha filha, você precisa descansar.

— Eu ajudo vocês — Carla gentilmente me ajudou até chegar na minha cama. Fiquei no andar de baixo — Vou pegar panos secos e vamos lavar essas feridas.

Carla se afastou de mim e em dois minutos trouxe uma bacia branca, panos e uma tesoura. Sentou-se na beirada da cama, e começou fazer o curativo, tomara que não infeccione.

— Eu sou médica, a minha atuação é ginecologista e obstetrícia.

— Realmente vamos precisar das suas técnicas por aqui, Paola. Muitas de nós engravidamos e fazemos abortos malfeitos e algumas de nós acabam morrendo por causa das complicações.

— Deixo de adivinhar, Sebastião busca algumas de vocês à noite e aproveita até o sol nascer, estou certa?

Carla não responde imediatamente, molha o pano na água e depois pressiona na ferida aberta.

— Sim, às vezes ele escolhe duas ou três mulheres, e quando o sol nasce nós estamos quase falecidas. Às vezes o Humberto escolhe, e essas mulheres que foram escolhidas por ele nunca voltaram.

— Humberto?

— Sim, quando ele entrar nesse alojamento. E depois disso, nunca mais as vejo.

— E o Leôncio?

— O seu ex-namorado?

— Sim, ele não faz nada?

— Quer saber o que eu acho?

— Você não acha nada, querida! — Fomos interrompidas pela Kátia.

A vingança de Leôncio - LIVRO 2Onde histórias criam vida. Descubra agora