Capítulo 2

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— E por que não? — Retrucou a Carla — Nós achamos que o Leôncio, o dono dessas terras, nem sabe o que acontece aqui.

— O que ele vai fazer? — Kátia debocha — Salvar a gente? Demitir os seus homens? Carla você é ingênua, mesmo morando cinco anos aqui ainda continua com este pensamento?

Essas duas brigando estão me deixando com raiva.

— Eu quero dormir — Digo.— Vocês têm algum remédio para dor?

Observo a minha perna, toco-o, Leôncio cravou bem fundo da minha carne. Ainda tenho a sensação de queimação da lâmina se aprofundando na minha carne. Leôncio não entende, ele nunca vai entender os meus sacrifícios de ficar livre desse esquema de tráfico humano. Eu errei tentando consertar, se pudesse voltar no tempo fazia diferente. Teria duas opções, ficaria com ele ou o colocaria em frente de um portão de uma mansão em Boston. Eu sei que essa última opção é cruel, porém ele teria uma vida confortável e de uma família normal. Bernardo não herdaria nada, ficaria no anonimato e seria livre ser o que quiser na vida, como eu fui... até agora.

Carla me dá um comprimido para dor, e depois coloca ervas medicinais na minha ferida aberta. Dizendo à brasileira que trabalhou durante seis meses numa aldeia na Amazônia, aprendeu técnicas de cicatrização com as índias de lá. Tomara que essa erva funcione, não quero pegar infecção grave que ampute as minhas pernas. Ajeito o meu travesseiro e deitei-me, olho para cima. Ao invés do céu estrelado, estou vendo uma madeira descascada e cheia de cupim, apresentando-se a minha nova realidade.

— Paola, descanse um pouco. Agora de diante, essa será a nossa realidade a partir de agora.

— Sim, mamãe!

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Ele é tão lindo, gordinho e saudável.

A voz da enfermeira ecoou pelo ambiente, estamos no quarto de hóspede. Cândida segurou o Bernardo como se fosse o seu verdadeiro neto, lágrimas desciam pelo seu rosto enquanto olhava pro seu netinho. A italiana está grata por ter salvado a sua filha do vexame e da sua mentira, e o Bernardo será a chave do sucesso da sua família.

Eu fiz a escolha certa.

A vejo sair do quarto levando ele para longe, provavelmente irá mostrar para Patrícia o seu filho de mentira. Olhei para janela, está chovendo, será que os anjos estão chorando por mim? Eu tinha duas escolhas para o Bernardo, morrer ou viver, e escolhi a segunda opção, achei justo.

As lágrimas que tanto insistiam, finalmente escaparam, dando logo processo que durou horas. Tapei a minha boca contendo os meus gritos e soluços, eu fiz a escolha certa, não posso ficar com este bebê. Ele morreria comigo, de fome, de sede, de frio, de doenças, eu não daria uma vida digna para um bebê recém-nascido.

Bernardo, meu filho, perdoa-me.

— Paola, acorde — Escutei a voz da Cristina, parecia que estava angustiada.

Abro os olhos, pisco várias vezes. Cristina está em cima de mim.

— Você está delirando, a sua temperatura corporal aumentou um pouco por causa das feridas.

— Leôncio, ainda não veio me buscar? Quanto tempo estou aqui?

— Dois dias! — Carla respondeu, ao lado da Cristina, carregando uma bacia branca contendo água. Provavelmente irá limpar as feridas e trocar os panos.

Sento na cama, as minhas pernas ainda doem.

— Quero ver o Bernardo — Digo — Ele precisa de mim.

Cristina suspira, faz carinho no meu rosto.

— Todos esses anos o Bernardo nunca precisou de você, e não vai ser agora que ele precisará.

— Como pode ser tão cruel comigo?

— Só estou falando a verdade, Paola.

— Não quero saber das suas verdades, mamãe. Só quero o Leôncio e o meu filho.

Saio da cama ignorando as dores, a febre e os seus gritos, preciso sair daqui e explicar para o Bernardo. Ele irá entender nas minhas escolhas, saio do alojamento feminino, o sol está se pondo lindamente no horizonte. Alguns homens olhando para mim, de longe vejo Sebastião levando algumas mulheres para dentro de um carro forte. Balanço a cabeça e sigo em frente, o portão está aberto. Pessoas entrando e saindo, estou quase trezentos metros de distância, não posso mais caminhar. Estou no meu limite.

— Paola, você está ferida. — É a Cristina implorando para voltar.

— Não, Leôncio vai voltar mamãe. Temos uma história juntos, ele não vai me abandonar aqui.

O sol desapareceu e com isso os portões se fechando lentamente. Fico de joelho ignorando as fisgadas dolorosas nas minhas pernas, Leôncio não pode me deixar aqui, não pode deixar a sua mulher trancada nesse inferno para o resto da vida. O erro foi do seu irmão, eu fui a vítima da história, e estou cansada de repetir essa frase.

Comecei a chorar de raiva, dor... e abandono.

— Vamos, Paola! Você tem que descansar.

Olho para cima, Cristina chorando por mim.

— Eu não deveria ter vindo para o México, mamãe. Eu deveria ter ficado em casa, esperando o verídico do juiz, pelo menos na prisão teria uma vida quase digna. Leôncio nunca me amou, eu não sou uma vilã, eu sou inocente.

— Vamos embora, você está ainda ferida. Já, já ele voltará e pedirá de joelho o seu perdão se for preciso.

— Quanto tempo tenho que esperar por ele?

— Se for preciso, anos.

Portão fechado, e a minha liberdade trancafiada.

A vingança de Leôncio - LIVRO 2Onde histórias criam vida. Descubra agora