Capítulo 24: O desconhecido.

1.1K 175 27
                                    

🌿🥀🌿

Poderiam ter se passado horas ou dias, mas eu não prestei atenção, não importava; eu não me importava.

A cela para a qual voltei era segura, a escuridão e o silêncio são seguros, os 15 passos e depois os outros 5 passos, o rangido da porta de ferro e a bandeja de comida trazida por aquele estranho com botas de couro que assistiu enquanto cortavam meu dedo… tudo isso fazia parte da rotina e a rotina é segura. Mesmo que aquele feérico não seja confiável, eu posso confiar no padrão estabelecido em minha prisão.

Foi assim que fiquei nos primeiros dias. Letárgica, incapaz de fazer qualquer coisa além de comer e usar os curativos que por uns dias surgiu junto das refeições, bandagem e pomada para o meu ferimento. Não questionei nem realmente pensei, apenas fiz o curativo e troquei quando outro apareceu junto de minhas refeições, depois quando cicatrizou o suficiente as bandagens pararam de vir.

Lentamente meu ferimento fechou completamente e eu aos poucos me acostumei com a falta do meu dedo indicador da mão esquerda. Não existia mais dor, nem sangue e a cicatriz da carne fechada não era feia o suficiente para incomodar.

Tudo foi um grande e absoluto… nada.

Eu tinha minha rotina e me agarrei a ela durante a recuperação, precisava escapar das imagens em minha cabeça, dos sentimentos de medo e horror. A escuridão sendo absorvida por minha alma ao ponto de senti-la em meus ossos.

Então eu falei com meus bebês enquanto fazia as refeições, eu caminhei, eu imaginei e planejei como fiz todos os dias desde que cheguei e continuo fazendo depois do único dia em que fui tirada da escuridão. Isso mantém a cabeça ocupada e afasta as sombras.

Contei as horas e toquei as paredes, falei as mesmas palavras antes de dormir e fui atormentada por pesadelos de mortes e sangue e gritos. Dormir se tornou uma tarefa difícil… mas permaneci deitada no colchão da estreita cama em minha cela até que passasse o tempo de 6 e 5 horas para que eu pudesse me levantar para outro dia.

Não faz diferença que eu não saiba quantos dias se passaram, na escura solitude de minha cela eu podia determinar o dia e a noite. A realidade sempre foi e será uma invenção da mente consciente. Quem poderia  dizer que não era real? Em um cativeiro a realidade é simplesmente o que fazemos dela, a imaginação não tem limites e a paz por mais difícil que seja é a única coisa entre o medo constante do futuro e a sensação de normalidade.

A rotina mantém minha mente focada, as palavras que repito para mim mesma antes de dormir são um consolo na escuridão, e as histórias imaginadas que conto para meus bebês são a minha alegria... É tudo o que  tenho.

Tempos depois, com a segunda refeição do dia, o senhor de longos cabelos preto, olhos azuis frios, que sempre usa um par de botas de couro, me trouxe roupas limpas. Ele não falou em nenhuma das vezes em que esteve aqui, ele sequer olhou para mim, exatamente como se recusou a fazer enquanto eu era torturada aos seus pés.

Não houveram palavras, nem sequer um olhar dele para mim, nunca houve nada. Mesmo assim ele continua me ajudando, então eu fiquei grata por poder finalmente tirar esse vestido sujo e desconfortável que se torna mais apertado a cada dia.

Usei a água da pia e me limpei como fiz todos os dias e então coloquei a camisa solta que parecia ser feita de algodão e mangas meia estação que ficou confortável no busto e solta na barriga, perfeito para uma barriga em constante crescimento. A calça era leve, feita de seda, que mantém o conforto em minha barriga e também é fresco.

A capa com a que eu estive por todo esse tempo é quente o suficiente para me esquentar nessa cela fria enquanto as novas roupas são confortáveis. Talvez eu realmente deva tentar usar esse homem.

O tempo passou e eu cansei de contar os dias, esperar as oportunidades ou me preocupar com o mau do futuro… o escuro era profundo demais, as sombras ao redor são poderosas, e elas sempre tiveram um poder desagradável sobre mim. Se alguém permanecer muito tempo no escuro, o sentimento de que está absorvendo a escuridão ao redor cresce ao ponto de sufocar.

Flores precisam de luz do Sol… Esse pensamento engraçado ficava voltando a cada hora e eu o descartava logo que surgiu, mas ele deixou um rastro de ideias, algo que meu coração ansiava a cada minuto de cada dia.

Eu queria ver as flores, as cores, as árvores, as folhas e os pássaros; sentir a grama sob os pés, tocar a água em um rio, ver os peixes em um lago de água cristalina, sentir o ar salino do mar, escutar as ondas, tocar a areia quente, eu quero sentir o perfume da floresta em um dia de chuva, olhar por uma janela e ver o Sol nascer e se pôr; Eu quero ser livre…

Sabia que estava presa e isolada no que devia ser meses e comecei a ficar terrivelmente ansiosa com o parto. Quanto falta para dar a luz? Como vou fazer isso sozinha? Eu não posso fazer isso sozinha!!!

Gostaria de me encolher no chão e chorar como um bebê, mas da mesma forma que ninguém apareceu quando eu era um bebê chorando, ninguém apareceria agora. Lutar tanto para ficar aqui sem qualquer possibilidade de escapar…

Nos primeiros dias eu testei a magia e por mais esforço que fizesse, não aconteceu nada. Seja o que for, essa prisão bloqueia ligações externas e a magia não funciona. Uns dias depois eu toquei no laço de parceria mas ele parecia como tocar nas cinzas de uma árvore depois de um incêndio, existe e pode ser tocado, mas na verdade está frágil como cristais de gelo.

Para mim Tamlin sempre foi mais como uma pedra no sapato, irritante e da qual sempre estou tentando me livrar, mas no momento de necessidade eu realmente acreditei que ele faria o papel de herói, uma única vez eu precisei que ele fosse mais do que meu maldito semelhante de coração de pedra, alma podre e sangue frio; Tamlin não estava lá na única vez em que eu de fato queria ele… eu precisei dele.

Que ótimo parceiro eu tenho. Um erro maior do universo não poderia existir; Alguém totalmente oposto a mim teria sido infinitamente mais útil.

Escapar não é uma possibilidade… tudo o que me resta é o feérico que me ajudou apesar de permitir que eu fosse torturada.

Contra todos os meus instrumentos quando a porta se abriu pela terceira vez naquele dia eu não me encolhi contra a parede como uma garotinha assustada, pelo contrário. Assim que a porta se abriu eu avancei na direção daqueles olhos frios de azul profundo.

Em uma velocidade que eu não pensei ainda possuir, segurei o longo cabelo dele e puxei para dentro da cela comigo… um teste.

Enquanto puxava troquei o peso de nossos corpos para nos obrigar a cair. Se algo der errado estou pronta para proteger minha barriga na queda, mas em um instante quando esse desconhecido estava caindo por cima de mim ele jogou seu peso para o lado e usou seu braços para me segurar de forma que eu não sofresse com o impacto da queda.

Olhando nos olhos surpresos dele eu pensei no que devia dizer agora, porém ele foi mais rápido, ao franzir a testa e dizer:

_ Você ficou completamente louca Amarantha?

Pisquei sem entender do que ele estava falando e quando ele percebeu isso revirou os olhos em uma expressão de tédio e se afastou para sentar no chão encostado na porta agora fechada da cela na escuridão comigo.

Me afastei e com certa dificuldade levantei e sentei sobre a cama na outra extremidade da cela de frente para ele.

_ O que…? - Estou verdadeiramente confusa. Ele me conhece?

_ Ora, por favor! O que? Vai brincar de fingir que esqueceu que tem um irmão? Certo eu posso fingir também! - Ele pareceu muito chateado, mas eu não respondi.

As palavras dele tiveram dificuldade de se infiltrar em meu cérebro.

Amarantha tem um irmão...

🌿🥀🌿

"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria."
*Machado de Assis _ Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).

#Especial de feriado. 20/11/23.

Corte de Renascimento e RedençãoOnde histórias criam vida. Descubra agora