u don't know what you got until it's gone

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(você não sabe o que tem até que tenha perdido)

Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2023

[JADE]

Desde que voltei ao Brasil, da temporada de moda na Europa, continuei em um ritmo de trabalho super acelerado. Eu precisava dar conta de fazer tudo o que eu podia fazer, adiantar todas as demandas que eu tinha planejado para os próximos meses e ainda conciliar com médicos, exames e a minha mente caótica. Não sei por quanto tempo vou conseguir esconder essa gravidez de todos, enquanto tenho tentado escondê-la até de mim.

Mas está cada vez mais difícil não lidar com ela ou fingir que não tenho uma criança dentro de mim. Assim que voltei de Paris, o PA me acompanhou em uma consulta de rotina e para nossa surpresa, a Dra. Viviane reavaliou o tempo de gravidez, apontando que eu estava com pelo menos três semanas a mais do que o previsto, nos fazendo ter certeza de que, realmente, nosso amor tinha se materializado naquele dia dos namorados. 

Essa notícia me tranquiliza na mesma medida que me aflige. Se por um lado estamos na metade do caminho e falta menos para que essa fase acabe, também me lembra que tenho menos tempo para aceitar o que está acontecendo com o meu corpo e me desespera ver as mudanças pelas quais ele está passando. E é isso que me faz passar longos minutos na frente do espelho tentando encontrar formas de deixar menos evidente o que, claramente, se transforma em mim.

Respiro cansada depois de tirar o vestido justo que já não dava pra usar e me sento na cama, só de calcinha e sutiã. Apoio meu rosto nas mãos e fecho os olhos respirando fundo, quando escuto alguém bater na porta. Dou um sorriso fraco assim que minha mãe entra, pedindo licença. Assim que o PA foi para São Paulo, ontem, de onde sairia para Santiago amanhã a noite para os Jogos Pan-Americanos, ela veio para cá. Tenho certeza que eles estão combinando de não me deixar sozinha, embora eu tenha a Nina aqui comigo 100%. E eu estou feliz por ela estar aqui porque sua presença, de alguma forma, me acalma.

"Filha, Nina acabou de chegar. Vamos almoçar pra depois vocês saírem até o local das fotos." - ela se coloca à minha frente me olhando - "O que foi?"

"Não encontro uma roupa, tá cada vez mais difícil esconder." - eu digo desanima, levanto meu olhar para encará-la - "Não tô com fome, mãe."

"Jade, você precisa comer, com ou sem fome" - sua voz é firme. Na minha última consulta meus exames apontaram uma leve anemia, e minha mãe estava cuidado de perto da minha alimentação.

"Vou tentar." - dou um sorriso fraco e volto a suspirar.

"E quanto às roupas..." - minha mãe se senta ao meu lado - "Filha, é inevitável que seu corpo passe por mudanças principalmente nessa fase. Mas elas ainda estão bem sutis, a gente percebe porque sabe, mas não está evidente para as outras pessoas ainda."

"ainda..." - eu me levanto e fico de frente para ela - "esse não é o meu corpo mãe. É claro que as pessoas vão perceber. Elas já comentam eu ter sumido da praia, do futevôlei, dos treinos gravados. Não sei porque ainda não levantaram essa suspeita por aí ou nenhum fofoqueiro ainda descobriu." - cruzo os braços insatisfeita, e sei que nesse momento pareço uma criança mimada. Mas ter o futevôlei suspenso por orientação médica, os meus treinos mudando de ritmo e o meu prazer de ir a praia sem me preocupar com paparazzi tirado de mim, mexia demais com o meu emocional e a minha disciplina com uma rotina que eu amo e estava tão habituada.

"Você tá ficando linda, meu amor. E vai ficar ainda mais." - ela coloca a mão na minha barriga e eu viro o rosto incomodada - "Já consegue sentir ele se mexendo?" - eu nego sem encará-la - "Logo vai sentir e aí você vai começar a se envolver mais, eu tenho certeza" - ela se levanta e me abraça - "Fica tranquila, no tempo certo, quando você estiver pronta, as pessoas vão saber. Agora, vamos escolher uma roupa, que você precisa cumprir os compromissos do dia." - ela pega o vestido sobre a cama e caminha comigo até o closet - "Esse vestido realmente destaca um pouco a barriguinha. Podemos tentar um menos colado...ou você usa blusa e short ou calça, que ai não dá pra perceber mesmo."

Me dou por vencida e deixo ela me ajudar a escolher. Optei por um short jeans alto e um body branco. Sentia falta de usar minha barriga de fora e minha cintura baixa ou meus vestidos super marcados, mas começou a não dar mais, apesar de realmente, ser muito sutil os 2 ou 3kgs que eu havia engordado até aqui. Espero que continue nesse ritmo, porque definitivamente, um corpo de grávida era algo que eu não aceitaria ou gostaria de jeito algum.

Saímos de casa logo após almoçarmos, eu a Nina, para uma entrevista e fotos para a Forbes, que aconteceu em um hotel da zona sul. Era algo voltado para o meu lado empreendedora e eu amava falar sobre o meu crescimento e meus anseios para a minha marca. Aproveitamos para gravar duas publicidades e já era fim de tarde quando terminamos e pegamos o carro para voltar para casa.

"Ei lindo..." - eu atendi o telefone assim que entramos no carro e me acomodei na poltrona do motorista.

"Oi gatinha. Tá em casa já?" - ele me pergunta, carinhoso.

"Não, acabamos de terminar. Entrei no carro agora. Já arrumou tudo?" - pergunto me referindo à viagem.

"Quase. Mas o voo é só às 23h amanhã, ainda treino amanhã cedo. Deu tudo certo hoje?" - olho pra Nina distraída no telefone e ligo o carro.

"Sim. A entrevista foi ótima e conseguimos gravar tudo o que tinha para essa semana." - dou um sorriso aliviada - "Vou treinar daqui a pouco e depois quero só descansar."

"Tá dirigindo, Jade? Vou desligar." - seu tom é quase repreensivo e dou risada.

"Não bobo. Só liguei por conta do ar-condicionado. Tá um calor insuportável hoje." - o tranquilizo e ele ri - "Já tô com saudade, sabia?"

"Eu também. Você bem que podia ir comigo, né?" - ele insiste.

"Podia. Mas você sabe que estou tentando adiantar tudo o que posso, PA. Logo não vou conseguir esconder essa gravidez e as coisas vão mudar um pouco. Não estou preparada pra isso." - reforço meu medo em anunciar a gravidez e o rumo que as coisas tomariam depois disso.

"Precisamos pensar em quando contar e como contar. Não vamos conseguir esconder mesmo." - ele tenta me passar calma e eu respiro fundo. Por enquanto, as únicas pessoas que sabem são nossos pais, a Nina, o Léo, o Patrick, uma pessoa da minha assessoria e o Biagi - "Mas não precisa pensar agora, deixa eu voltar e a gente conversa direitinho tá? Fica tranquila..."

"Impossível. Você tem noção do que isso vai virar?" - eu prevejo um alarde para o qual não estou preparada - "Eu preciso ir ou vou acabar não conseguindo ir malhar."

"Todo mundo vai vibrar, é só o que consigo pensar" - ele diz rindo, satisfeito. Por ele todo mundo já sabia e a felicidade quase não cabia em seu sorriso. Dou um sorriso fraco, sentindo a sua felicidade - "Vai lá. Quando chegar em casa me avisa. E te ligo na hora de dormir."

Nos despedimos e dei partida no carro. No caminho de Ipanema até a Barra a Nina foi repassando comigo o que tínhamos previsto para a próxima semana. Ela insistiu para que fossemos jantar hoje fora, junto com a minha mãe, para que eu me distraísse um pouco e acabei aceitando. Estava precisando mesmo focar em outra coisa e tirar um pouco da minha mente todas as minhas aflições. Estávamos a poucas ruas do meu condomínio quando o trânsito de fim de tarde começou a apertar e eu resmunguei impaciente, parando o carro na fila do sinal vermelho. Antes que eu tirasse o pé do pedal de freio senti um impacto forte e fechei os olhos.

A pancada brutal com que o carro de trás atingiu meu o fazendo bater violentamente no carro da frente, jogou o meu corpo, preso pelo cinto, em direção ao volante e minha cabeça contra o vidro lateral. Tive tempo de ouvir o grito da Nina, antes que minha mente entrasse em um transe que fez desaparecer tudo a minha volta, mesmo que eu estivesse consciente. 

"Jade, Jade...JADE!" - a Nina precisa chamar o meu nome algumas vezes para que eu a encare ainda sem entender o que tinha acontecido. Sinto um líquido escorrer por minha testa e uma pontada na minha cabeça e sua mão segura o meu rosto me olhando - "Tá tudo bem? Fala comigo..."

"Meu bebê, Nina..." - me dou conta do que acabou de acontecer e minha respiração acelera descompassadamente enquanto levo a mão a minha barriga onde uma dor aguda faz com que lágrimas rolem pelo meu rosto - "Tá doendo...me ajuda..." - eu suplico e ela me olha nervosa pegando o telefone.

Meant To Be - JadréOnde histórias criam vida. Descubra agora