( Narrado por Carson )
Ela cantou. Ela cantou desafinadamente o banho inteiro. Não sei se ela faz isso todo banho ou se só estava querendo me irritar. Mas, ela gritou a todos pulmões por quase meia hora.
Eu estava sentado na mesa cozinha, calculando os gastos da semana do bar, mas não consegui ficar lá por muito tempo. Quando ela saiu do banheiro, eu estava sentado no sofá da sala.
ㅡ Batman? ㅡ A voz dela soou e não demorou muito para ela aparecer na sala, usando um pijama de cogumelos. ㅡ Ah, você está aí. ㅡ Ela pendurou a própria toalha no ombro. ㅡ Por que você só vive na escuridão?
ㅡ Eu pago luz, sabe? ㅡ Praticamente menti. Eu não ficava com as luzes de casa apagadas por causa da conta, só era um costume meu. Me sentia mais a vontade.
ㅡ Ah, claro, como eu me esqueci disso? ㅡ Ela voltou com sua ironia que na maior parte do tempo me faz querer calar sua boca. Só que... Não deu muito certo da última vez.
Acontece que sou uma pessoa solitária. Por opção. Gosto de quietude, gosto de estar sozinho, de pensar sozinho e de não trocar muitas palavras com as pessoas. Só que com Florence isso é impossível! Ela interfere no meu silêncio e na minha solitude. Ela me faz querer bater boca com ela o tempo todo e sempre que a gente conversa eu termino com um nó na cabeça.
ㅡ Bem, então eu vou voltar pra minha casa com luz e sem água. ㅡ Ela ajeitou a toalha no ombro e se aproximou da porta. E lá estava eu, sentindo aquela merda. Aquela merda que eu sempre sentia toda vez que ela ia embora, por mais que só fosse andar uns metros e ficar no quarto ao lado.
ㅡ Você tem comida pronta? ㅡ Tentei não demonstrar nada com a minha pergunta. Agi como se fosse uma pergunta de rotina. Nem sequer olhei para ela, foquei minha atenção na tela do meu celular que exibia minha última pesquisa sobre drinks que quero adicionar ao cardápio.
ㅡ Não, por que? ㅡ Ela pareceu estranhar minha pergunta.
ㅡ Você não tem água pra fazer. ㅡ A olhei. Sua ficha pareceu cair e ela fez uma careta, quase se desmanchando na porta.
ㅡ Ai, eu quero chorar. ㅡ Resmungou.
ㅡ Guarda essa toalha e volta. Vou comprar uma pizza. ㅡ Me levantei do sofá para ir até o quarto.
ㅡ O que?? ㅡ Ela me seguiu até a porta do quarto. Não acendi a luz, apenas fui até minha cômoda para pegar a carteira. ㅡ Você vai comprar pizza? Tipo, pra gente? Nós dois? ㅡ Olhei pra ela por cima do ombro e vi choque e deboche em seus olhos. Assenti e voltei minha atenção para a carteira. ㅡ Pra gente comer junto ou quando chegar, você vai me dar um mísero pedaço e me expulsar?
ㅡ Florence... ㅡ Virei pra ela, mas ela já tinha corrido.
Fiquei uns segundos encarando a porta do meu quarto. Me escorei na cômoda atrás de mim e passei as mãos no rosto. Eu me sentia confuso. Me sentia em conflito. Parte de mim queria manter Florence longe, porque ela me enlouquecia, mas a outra parte...
Balancei a cabeça tentando espantar os pensamentos e voltei pra sala com as cédulas na mão. Deixei-as sobre o braço do sofá e encomendei a pizza. Comprei uma grande, porque Florence tem cara de que come muito.
Peguei o controle da televisão e a liguei. A tv iluminou a sala, me fazendo olhar para o porta retrato presente em cima do raque. Era uma foto da Claire, ela estava segurando o diploma da formatura e estava com um sorriso enorme no rosto.
Ela certamente ia gostar muito da Florence.
Ainda estava olhando para a foto quando Florence apareceu enrolada num edredom branco de corações vermelhos, igual a um casulo.
ㅡ Está muito frio... ㅡ Ela murmurou após entrar. ㅡ Posso fechar essa porta? ㅡ Concordei com a cabeça e ela fechou a porta. Florence andou feito um pinguim enrolado até o sofá e se sentou ao meu lado. ㅡ Por que ta assistindo novela indiana?
Olhei para a tela da televisão e entreguei o controle a ela.
ㅡ Vou tomar um banho. ㅡ Me levantei. ㅡ Pode colocar o que quiser. ㅡ Saí da sala a deixando sozinha. Peguei uma muda de roupas no quarto e fui até o banheiro. Acendi a luz do cômodo e vi um sabonete líquido cor de rosa junto com meu shampoo. Se fosse outra pessoa eu até acharia palhaçada, mas do jeito que essa garota é esquecida.
Ela já esqueceu o casaco um milhão de vezes lá no bar, já perdeu uma pulseira, um brinco, um rímel e tem um livro dela que está comigo há dias.
Voltei a sala para avisar que ela tinha esquecido o sabonete, mas ela estava rindo, dando altas gargalhadas, enquanto assistia algo que eu não conhecia.
Eu ia falar, mas fiquei quieto. Fiquei quieto, parado, só ouvindo e vendo ela rir.
Quando percebi o que estava fazendo e percebi também que estava sorrindo, fechei a cara e voltei pro banheiro. Fechei a porta atrás de mim e passei as mãos no rosto. Eu precisava colocar a cabeça no lugar.
Tomei o banho, me vesti e saí do banheiro secando o cabelo com a toalha. Quando cheguei na sala, a caixa da pizza já estava na mesa de centro e Florence estava encarando a televisão com muita atenção.
Não levou nem dois segundos e ela deu grito quando olhou pra mim.
ㅡ Carson! ㅡ Disse após se recuperar do grito que fez meus ouvidos estalarem. ㅡ Por que ta parado aí igual a uma assombração?
ㅡ Ta falando de que? ㅡ Larguei a toalha no braço do sofá e me sentei ao seu lado, puxando a caixa da pizza para abri-la.
ㅡ Eu to vendo um filme de terror e você fica parado na escuridão olhando pra mim. ㅡ Ela se enrolou ainda mais na coberta.
ㅡ Você foi buscar a pizza assim?
ㅡ Fui, ta muito frio lá fora. Peguei o dinheiro que estava aqui. ㅡ Ela apontou para a outra ponta do sofá, onde eu havia deixado o dinheiro. ㅡ O entregador riu da minha cara quando apareci lá enrolada assim.
Abri a caixa da pizza que já vinha cortada e tirei um pedaço para mim. Florence pegou um para ela e se ajeitou no sofá para ver o filme.
Uma hora dessas eu estaria sozinho aqui, sem gritos, filmes de terror, pizza ou alguém rindo escandalosamente no meu sofá. Isso era estranho pra mim. Já expulsei pessoas daqui por menos que isso, não que eu já tenha recebido muitas pessoas, mas... Mesmo assim... Eu não costumo suportar essas coisas.
Florence é a personificação de tudo o que acho irritante, mas ainda assim eu não gosto quando ela vai embora.
As horas foram passando, a pizza terminou tão rápido que mal acreditei. Já fazia um tempinho que ela estava quieta demais, então larguei o celular para olha-la.
Ela havia dormido. Dormido enrolada no edredom como um casulo.
Me levantei do sofá, desliguei a televisão e a ajustei, para que ela deitasse direito no sofá. Terminei de a cobrir e a observei por um momento. Lembro de tê-la achado bonita quando desceu daquele ônibus. Eu estava tendo uma manhã de merda quando, de repente, uma turista apareceu, descabelada, usando uma camisa de uma universidade, com malas e com cara de perdida.
Ela era linda e mesmo depois de entrar no bar pedindo um emprego e sair de lá rufando de raiva, eu soube que seu rosto ficaria na minha mente por um tempo.
Agora ela estava ali, na minha casa, no meu sofá, tomando banho no meu banheiro e deixando coisas suas por todo lado.
Florence mexia comigo, eu só não queria aceitar.
•••
Continua...
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Um raio de Sol em minha vida
RomantikEla é distraída, impulsiva, esquecida e ama dias de sol. Ele é dono de um bar, não tem amigos, não gosta de pessoas, mora perto da praia, mas nunca põe os pés lá. Florence, que prefere ser chamada de Flor, chega à Santa Bárbara só com uma mala e a...