Eu estava tomando meu café na cozinha quando ouvi um estrondo na sala. Um barulho de algo caindo. Deixei a caneca sobre a mesa e fui até a sala ver o que tinha acontecido.
O que encontrei foi uma Florence caída no chão, ainda enrolada na toalha, mas com os cabelos bagunçados e uma cara de quem nem sabia onde estava.
ㅡ Quem é você? ㅡ Ela perguntou. A voz mais rouca do que o normal.
ㅡ Batman. ㅡ Cruzei os braços e esperei que ela terminasse de olhar em volta e raciocinar o que estava acontecendo.
Florence olhou para a coberta, para o sofá, para a sala, para mim e só aí seus olhos se arregalaram, parecendo cair a sua ficha.
ㅡ Eu... ㅡ Ela se levantou. ㅡ Eu dormi aqui? ㅡ Ela encarou o próprio pijama e passou a mão na cabeça, tentando ajeitar seu cabelo.
ㅡ Tem café na cozinha. ㅡ Saí da sala a deixando sozinha e voltei a me sentar na mesa da cozinha. Peguei de volta a caneca e o jornal, que tinha em sua primeira página a divulgação do desfile de hoje.
Como um vulto, Florence passou correndo pela cozinha e entrou no meu banheiro, fechando a porta. Eu a ignorei, e estranhei isso. Essa garota estava entrando demais na minha vida e na minha casa para eu agir como se nada estivesse acontecendo.
Após se passar uns minutos, me levantei e peguei outra caneca. Coloquei sobre a mesa e peguei o café. A porta do banheiro se abriu e ela apareceu, agora com o cabelo preso no rabo de cavalo.
ㅡ Por que não me acordou? ㅡ Perguntou. Indiquei a caneca e ela rapidamente se aproximou para beber.
ㅡ Porque você parece do tipo que soca as pessoas que te acordarem. ㅡ Sentei-me novamente e dei um gole no café. Ela continuou em pé, mas bebeu também.
ㅡ A... ㅡ Pigarreou. ㅡ Minha irmã ligou? ㅡ Ela segurou a caneca com as duas mãos na frente do corpo.
ㅡ Ah, sim. ㅡ Assenti. ㅡ Eu atendi e disse pra ela que você tinha dormido na minha casa. ㅡ Seus olhos se alarmaram para mim. ㅡ É brincadeira, Florence.
ㅡ Carson! ㅡ Ela respirou aliviada. ㅡ Não faz piada! Você não faz piada! Qualquer piada que você fizer, mesmo que contenha mortes, vou acreditar. Então não brinca com isso.
ㅡ Ta bom. ㅡ Soltei o jornal sobre a mesa e terminei o café.
ㅡ Desfile? ㅡ Ela olhou para o jornal.
ㅡ Não. ㅡ Virei-o ao contrário sobre a mesa.
ㅡ Vai ter um desfile na cidade, Carson? ㅡ Ela se aproximou e tentou virar o jornal, mas impedi.
ㅡ Não, não vai.
ㅡ Eu amo desfile! ㅡ Ela conseguiu arrancar o jornal da minha mão e sorriu olhando a primeira página.
ㅡ Não, não ama. ㅡ Quase choraminguei, já imaginando o que viria a seguir.
ㅡ Vamos comigo? ㅡ Ela deu um pulinho de entusiasmo.
ㅡ Não. ㅡ Me levantei e levei a caneca até a pia. Peguei a dela também e deixei as duas juntas.
ㅡ Ah, Carson! Qualé! Vamos! Eu amo desfile! ㅡ Ela me seguiu até a pia e parou ao meu lado, virada para mim e escorada na bancada, com um sorriso no rosto e os olhos de uma criança pedindo algo.
Definitivamente eu não iria. Eu não suporto desfiles, não aguento ficar parado vendo pessoas passarem lentamente fazendo coisas das quais não ligo. Não gosto das músicas, nem das atrações e muito menos da multidão. Definitivamente, não!
ㅡ Ta bom. ㅡ Foi o que saiu da minha boca.
ㅡ Oba! ㅡ Ela comemorou com mais pulinhos. ㅡ Eu vou lá me arrumar, se arrume e me espere. ㅡ Florence sumiu da minha casa tão rápido que mal tive tempo de pensar em mudar de ideia.
Virei-me de costas para a pia, cruzei os braços e quis discutir comigo mesmo. O que ia ser agora? Eu vou pra praia pegar uma onda? Vou pra uma balada virar a noite? Vou pra um acampamento musical? Vou maratonar filmes de animação?
Eu só posso estar ficando maluco.
Deixei a cozinha e fui me arrumar para... O desfile.
[...]
ㅡ Ah, já começou! ㅡ Florence parecia uma criança encantada. Ela andava por entre as pessoas pedindo licença e admirando cada atração. ㅡ Olha, Carson! ㅡ Ela apontou para um carro alegórico com tema de natal. ㅡ Olha aquele! ㅡ Apontou para um que devia ser de páscoa ou algo assim. ㅡ Os desfiles de dia de ação de graças daqui devem ser lindos, não é?
ㅡ Não sei. ㅡ Ela fez aquela careta para mim.
ㅡ Olha! ㅡ Ela voltou a sorrir e ficar admirada com outra coisa, enquanto eu apenas e a seguia.
ㅡ Flor! ㅡ Ouvimos alguém gritar por seu nome e do meio da multidão saiu Sasha, a minha vizinha, apareceu com um sorriso enorme e acompanhada de um cara que eu não conhecia.
ㅡ Oi!! ㅡ Florence sorriu e abraçou a garota. ㅡ Nunca mais te vi, como você está?
ㅡ Ai, o trabalho está me matando. Sabe a academia de artes da cidade? ㅡ Florence assentiu. ㅡ Eu trabalho lá, dou aulas de yôga.
ㅡ Sério? Eu descobri esse lugar tem pouco tempo. Fiz uma aula experimental de pintura. ㅡ Ela respondeu.
ㅡ E deixou todo mundo de boca aberta com o quadro. ㅡ O cara que estava acompanhando Sasha disse, de repente. As duas olharam para ele e Florence apontou na direção dele.
ㅡ Você estava lá! ㅡ Ela o reconheceu. ㅡ Estava do outro lado da sala, praticamente de frente pra mim. ㅡ O cara concordou com a cabeça e sorriu para ela.
ㅡ Ai, que legal. Flor, esse é o meu primo, David. ㅡ Sasha apontou para o rapaz. ㅡ David, essa é a minha vizinha, Flor.
ㅡ É um prazer. ㅡ Ele disse quando apertaram as mãos.
ㅡ Oi, Carson. Você estava aí o tempo todo? ㅡ Sasha sorriu para mim com aquele deboche dela, mas não respondi, só fingi estar muito interessado no cara girando um bastão no meio do desfile. ㅡ É, eu to bem, obrigada por perguntar. ㅡ As duas riram e logo Florence já estava admirada com outra coisa do desfile, só que agora ela estava falando com eles.
Eu estava agindo naturalmente. Estava com a minha mesma expressão de tédio e de querer ir embora, mas... Por dentro... Algo estava queimando no meu peito. Eu não sabia o que era, só sei que sempre que o tal David falava com ela, sorria ou tocava nela, isso atingia o meu peito como flechas com fogo na ponta.
Houve um momento em que um estúpido carro alegórico jogou confete em todo mundo. Florence passou a mão na cabeça para tira-los, mas um havia ficado. No instante em que pensei em tira-lo, David esticou sua mão e o tirou.
Os olhos dele encontraram os meus e tenho certeza de que ele viu o descontentamento em mim, mas ignorou e voltou a sorrir para as meninas.
Eu estava tão consumido por aquele sentimento que senti o meu maxilar doer. E eu nem sabia o motivo. Eu estava num lugar que odiava, cercado de pessoas e sentindo um sentimento horrível. Eu não queria mais ficar ali.
ㅡ Florence... ㅡ Toquei o seu ombro e ela me olhou. ㅡ Eu acho que eu vou... ㅡ Apontei na direção de onde viemos, mas ela nem me deixou continuar. Agarrou no meu braço e balançou a cabeça.
ㅡ Vai nada, não. Sossega aqui comigo. ㅡ E de repente eu me senti melhor.
Ela ficou abraçada ao meu braço enquanto sorria e apontava as coisas. Eu nem estava conseguindo olhar para o que ela estava apontando, eu só conseguia olhar para ela.
•••
Continua...
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Um raio de Sol em minha vida
RomantizmEla é distraída, impulsiva, esquecida e ama dias de sol. Ele é dono de um bar, não tem amigos, não gosta de pessoas, mora perto da praia, mas nunca põe os pés lá. Florence, que prefere ser chamada de Flor, chega à Santa Bárbara só com uma mala e a...