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Sexta-feira, 29 de janeiro de 2016.

Uma pequena parcela de tempo é o suficiente para a realização de inúmeros acontecimentos. Entre pensamentos, palavras, atos e desejos, são incontáveis os feitos que se podem executar e/ou pensar em tão poucos segundos. Entre eles, esfriar o meu café.

Retorno a minha atenção para o monitor do computador e para os vários papeis distribuídos, desordenadamente, ao longo da secretaria. É uma vida interessante, contas e mais contas. Uma vida interessante para um homem irónico.

- Quando temos acesso aos balanços do mês?- Inquiro para o meu parceiro de escritório, que me analisa através dos seus óculos extremamente graduados. Joseph não era aquilo a que se pode chamar amigável ou sociável. Era muito apático, mais do que eu. Mas não o censurava, afinal de contas, talvez seja melhor manter a nossa relação estritamente profissional. Bom, pelo menos é o que tento dizer a mim mesmo.

- Deveremos tê-los na próxima semana.- Objecta no seu tom de voz reduzido e calmo. Ofereço-lhe um leve aceno de cabeça, retomando aos cálculos exaustivos a que a minha vida se tem resumido.

Verifico as horas no meu relógio de pulso, sentindo uma ligeira vaga de contentamento tomar conta de mim. Dois míseros dias de descanso após uma semana de contas fatigantes. O trabalho ocupa uma parcela considerável do meu dia e, embora eu goste do que faço, por vezes torna-se cansativo. Organizo todos os papéis em arquivos diferentes e guardo-os na prateleira mais alta da estante.

- Até segunda.- Despeço-me do meu colega que retribui com um aceno seco. Reviro os olhos mentalmente, devia perguntar-lhe quando é o seu aniversário para lhe oferecer um pacote de simpatia.

Alcanço os meus pertences e, ajeitando o meu blazer negro, abandono o escritório sentindo o alívio aproximar-se a cada corredor que atravesso. Conseguir emprego numa das mais prestigiadas empresas de Chicago requere um curso perfeitamente terminado e uma dosagem extra de sorte. Dois factores que, aparentemente, eu possuo.

- Tenha um bom fim-de-semana Louis.- Abigail sorri-me desde a ressecção, os seus olhos escuros a fitarem-me.

- Igualmente.- Sorri-lhe de volta obtendo de sua parte um rubor acentuado nas suas bochechas sardentas.

Abandono o edifício sublime e colossal, dirigindo-me ao parque de estacionamento onde vasculho o meu modesto automóvel. Acomodo-me no acento do condutor e inicio marcha, abandonando os arredores da empresa.

Enquanto aguardo que o semáforo me dê permissão para prosseguir, observo o céu nublado e sei que, mais cedo ou mais tarde, irá nevar novamente. O clima no norte dos Estados Unidos é bastante rígido e extremamente acentuado. No entanto, a neve e o frio é algo que me agrada. É algo de reconfortante.

Avanço num ritmo infernal devido ao trânsito excessivo e às condições meteorológicas adversas. Algum tempo depois, avisto o meu quarteirão e as enormes fachadas de prédios cuja construção tem como ponto-chave a altura e o aproveitamento de espaço. Alcanço os meus pertences e deixo o automóvel estacionado na rua. Vasculho os meus bolsos em busca das chaves do meu apartamento.

O meu instinto aflorou subitamente.
Sentia-me observado.

Olhei em volta, acabando por encontrar uma criatura de quatro patas com o seu olhar fixo em mim. Os seus olhos não abandonam os meus enquanto se aproxima, devagar, e sem qualquer indício de raiva.
Reticente, agacho-me ao seu nível.

-Tu não és um cão vadio.- Constato o óbvio, observando o seu pelo curto, castanho e impecavelmente tratado.

Vagarosamente tomo em minha mão a sua trela abandonada, acreditando que ele não me irá impugnar. Desfiro uma leve caricia na sua nuca, mantendo a esperança de que ele não me verá como uma ameaça. O meu olhar perscruta toda a área em meu redor, procurando o possível dono do animal. A criatura exerce pressão sobre a trela, levando-me consigo. Acabo por deixar que o cão me guie enquanto procuro algum sinal do seu dono. De qualquer maneira não deveria estar tão longe assim.

O canídeo vira abruptamente à direita no final da rua, guiando-se para uma das avenidas mais caras de Chicago por onde marcas como a Gucci, Dolce & Gabanna, Jimmy Choo, Louis Vuitton, Lanvin e Cartier exibiam os seus produtos através de montras exuberantes e decoradas a pormenor. Os meus olhos são atraídos para uma figura feminina virada na direcção contrária.
Ela não se parecia enquadrar aqui. Em contraste a todo o luxo aqui presente, a sua figura é demasiado simples. Os seus cabelos são levados pela aragem que se faz sentir e, contrariamente a todos, ela não se parece importar. Toda ela é simples e discreta, envergando uma gabardina escura e umas botas castanhas que lhe chegavam a um pouco acima da canela. Ela parecia perdida. Na sua mão permanecia uma trela negra que se ligava a um Golden Retriver.

Inspiro o ar frio, regenerando os meus pulmões e, num impulso ordenado pelo meu ser inconsciente, eu dirijo-me a ela, tendo em mente a mera hipótese deste cão lhe pertencer.

-Desculpa, este cão pertence-te?- Inquiro gentilmente, não dando conta das palavras fluírem pela minha boca. A sua figura vira-se instantaneamente, fixando os seus olhos no animal.

-Spencer, oh deus.- Ela ajoelha-se à sua frente envolvendo o seu pescoço.- Nunca mais me pregues outra partida como esta.- Avisa repreensivamente e dou por mim a sorrir. De facto, ela não era alguém que pertencesse aqui.- Como o encontraste?- Questiona-me, ainda agachada. A sua voz era agradável, não era aguda, mas parecia veludo de tão calma e serena.

- Foi ele que me encontrou.- Murmuro suavemente, sorrindo de soslaio. Entrego-lhe a trela assim que ela se levanta. Alguns fios de cabelo são afastados da sua face e depois o seu olhar choca violentamente com o meu, fazendo o mundo estacar por completo. Os seus olhos verdes dominaram a minha mente, transportando-me ao longo do tempo. Eu poderia reconhecer aqueles olhos até na mais desfocada das imagens.

Real. Ela era real. Incontestavelmente real.

-Obrigada.- A sua voz doce falou mais alto que o meu pensamento.

Tudo o que eu algum dia delirei tornou-se real naquele instante.
Tudo o que me atormentou durante anos finalmente revelou-se.
Eu tinha encontrado a minha oportunidade para esclarecer todas as minhas dúvidas, eu poderia finalmente conhecer a habitante da minha mente e decifrar todos os enigmas que durante anos se foram acumulando no meu ser.

Porém ao invés de tudo isso, limitei-me a assentir e retirar-me num passo apressado, quase como se tivesse medo.

E, quem sabe, talvez tivesse.


Hey!

Estou nas nuvens com a quantidade de comentarios que tenho recebido no prologo! Por isso não resisti, eu tinha de vos dar a conhecer Delirium! Vocês são incriveis e eu não era nada aqui sem vocês. Cada leitura, cada voto, cada comentario, serio! muito muito obrigada por tudo! São as melhores, do fundo do meu coração pah!

Porra, acho que vou ali dançar tango com uma galinha e já volto. (Just kidding, eu tenho medo de galinhas {weird fact about myself} ) wtv

O que estão a pensar de Delirium?

XxTime

Delirium ➵ L.TOnde histórias criam vida. Descubra agora