-24th-

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Quinta-feira, 10 de março de 2016. (Continuação)

Conduzi freneticamente por entre o pouco transito nas ruas de Chicago, amaldiçoando as minhas mãos tremelicantes e o ar que parecia não querer passar pelos meus pulmões. No meu cérebro, a confusão instalara-se e tudo o que conseguia pensar era na possibilidade arrepiante de perder Victoria.

-Atende. Atende.- Suplico, ouvindo vezes e vezes sem conta os bips da chamada.- Merda.- Atiro o telemóvel para o banco do passageiro quando, mais uma vez, a chamada vai parar ao voice mail. Ela não atendia, porque não atendia porra?

Ao entrar na auto-estrada as luzes de uma ambulância passaram a alta velocidade numa das faixas contrárias, fazendo um arrepio subir-me na espinha. Engoli em seco e, com as mãos ainda mais instáveis, peguei no meu telemóvel de novo, desta vez marcando o número da melhor amiga de Victoria, vendo nela a minha última réstia de esperança.

-" Louis?"- Ela atendeu pouco tempo depois, uma voz arrastada, possivelmente estava a dormir.- "O que se passa?"

-"Estou preocupado Sam, eu não sei o que se passa. A Victoria não me atende o telemóvel há horas, estou a caminho de casa dela e passou uma ambulância por mim e eu..."

-"Oh meu Deus"- Ela arqueja e ouço o barulho repentino do seu movimento em conjunto com alguma coisa a cair no chão.- "Já ligaste ao Ryan? Ele está em casa esta semana então deve saber de alguma coisa."

-" Eu não tenho o número dele."

-" Espera, eu ligo-lhe. Não desligues."

Aguardo enquanto a chamada foi posta em espera, os nervos a consumirem todo o meu ser e os meus braços a combaterem para manobrar o carro e para manter o telemóvel na minha orelha. Algum tempo depois, próximo da saída para a casa de Victoria, a voz de Samantha volta a surgir.

-" Sam sabes alguma coisa?"- Perguntei prontamente.

-" Louis...ela..."- A sua voz quebrou e comecei a sentir o meu mundo ir abaixo.-"Ela está mal."

-" Mal?"- Repeti, pedindo a tudo o que é mais sagrado para ter ouvido mal.

-"Sim Louis."- O choro já era ouvido do outro lado da linha, a sua voz cortada por soluços que começavam a aparecer.-" Ela está no hospital."

Desligo o telemóvel sem responder, travando a fundo, deixando a minha cabeça cair para trás. Por um momento, tudo o que consegui pensar foi nos cenários possíveis para o que quer que tenha acontecido. Cada hipótese parecia pior e a cada pensamento a adrenalina em mim aumentava, mas não era uma adrenalina normal, era o medo, o pânico.

Hospital. Tenho de ir para o hospital.

Foi a última coisa que me lembro de pensar antes de começar a guiar até ao Northwestern Memorial Hospital, esperando encontra-la lá. Não, melhor, esperando que tudo isto não passasse de mais um delírio.
Mas, para mal dos meus pecados, quando cheguei ao hospital e me deparei com uma Samantha desesperada com os olhos vermelhos e a cara manchada de lagrimas, percebi que não era um delírio, era a realidade.

Então a adrenalina que tomava conta do meu corpo desceu. Os meus ombros descaíram e qualquer esperança que eu tinha desabou. E não foi preciso perguntar ou esperar pelos médicos para eu saber, naquele preciso momento, que o que quer que tivesse acontecido tinha sido grave. E foi com essa certeza que me aproximei de Sam e, sem que nenhum de nós proferisse uma misera palavra, dirigimo-nos para a sala de espera em silêncio.

Silêncio.

Silêncio foi tudo o que se seguiu desde que entramos na sala de espera onde, para além de pessoas desconhecidas, encontrei Ryan a falar com um médico. Tanto eu como Samantha nos aproximamos, ouvindo o médico falar:

- Teremos de fazer análises e radiografias e perceber o que está mal.

- Não me importa o que quer que tenham de fazer, façam. Façam tudo o que conseguirem, o mais rápido possível.- Ryan barafustou e seu ar autoritário substituído por uma emoção que presidia em mim: desespero.

- Não se trata de dinheiro Mr.Allen.- O médico de meia-idade tenta apaziguar-nos.- A questão é que os prognósticos são muito reservados e não sabemos a que se deve a inconsciência de Victoria.- Explica, olhando alternadamente entre mim, Sam e Ryan.- Ela não tem sinais de qualquer contusão ou golpe profundo por isso a hipótese de traumatismo craniano está, provavelmente, fora de questão. No entanto, iremos sujeita-la a uma TAC bem como a uma lavagem ao estomago e outras analises até conseguirmos perceber o que se passa.

- Salve a minha irmã doutor, por favor.- A voz grossa do irmão de Victoria encontra-se reduzida a um suplico.

-Irei fazer os impossíveis.- Acenou-nos com a cabeça, retirando-se da sala de espera, deixando-nos para trás.

- Ryan.- Samantha proferiu, rasgando o silêncio entre nós.- Como é que ela estava?

-Eu não sei.- Profere.- Estava na empresa a fazer serão com a equipa do departamento técnico quando o segurança de serviço me ligou.- Ryan suspira e olha para mim antes de encarar Sam.- Ele disse que a encontrou na cozinha, com o frigorífico aberto e um copo de água partido no chão.

Não faço ideia se foi a maneira de como a voz de Ryan quebrou ao dizer aquilo ou se foi o ato desesperado de Samantha ter abraçado o mesmo, mas o mundo pareceu ter-se esvanecido e tudo o que eu conseguia ouvir era os gritos dos meus pensamentos, dos meus medos.

Não me lembro de me ter sentado, não me lembro de me ter sequer afastado dos dois seres, mas senti, perfeitamente, o quente das minhas lagrimas arrastarem-se ao longo da minha cara.

A preocupação, a tristeza, o desespero e, sobretudo, a culpa. Era a culpa, de todas as coisas, era a culpa que me fazia pior. Inevitavelmente, o que aconteceu com ela deveu-se a quem quer que esteja atrás de mim, ou atrás do meu passado, isso estava perfeitamente estabelecido nas provas que analisei. E o facto de eu estar aqui, neste momento, com medo de a perder é tudo culpa minha. E eu tinha isso tão bem em conta que chegava a temer que toda a gente neste hospital também o soubesse.

Então abateu-se sobre mim o medo. Um medo que fez os meus ossos gelar em contraste com o meu rosto quente, um medo como eu nunca pensei sentir, nem mesmo quando vi as enfermeiras chegarem até mim com sedativos pela primeira vez. Era um medo que não conseguia expressar, que me deixava desorientado, desesperado.

Era o medo de a perder.

O medo de nunca mais poder ver o seu sorriso abrir-se ou os seus olhos atentos fitarem-me diretamente. O medo de não sentir mais o seu abraço, ou os seus beijos dos quais eu tinha uma colecção tão pequena. E todo este medo derivava da culpa, porque fui eu que a coloquei nesta situação, que me coloquei nesta situação, que nos coloquei nesta situação.

Ela trouxe-me esperança e felicidade, tal como um anjo, mostrou-me que existe algo de bom neste mundo. E eu, um estereótipo perfeito de demónio, arrastei-a para a minha desgraça.


Boa noite delirantes,
não me matem por vos continuar a deixar na duvida, sabem que o misterio é fundamental.
Sem tempo para mais:

Questão do dia:
Que caracteristica é que Victoria não tem?

a) Sardas;
b) Sinal no rosto;
c) Cabelo castanho

Resposta anterior: B)

Time.

Delirium ➵ L.TOnde histórias criam vida. Descubra agora