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Domingo, 6 de março de 2016.

Com o passar dos anos novos dilemas surgem, novas equações para resolvermos, um processo ao qual chamamos vida.
Existem muitas coisas por desvendar, coisas que eu gostava de ver resolvidas mas que, no entanto, decidi deixar para trás. Uma questão de sensatez, eu julgo. Dirigindo-me ao ponto ao qual quero chegar: os sentimentos;

Os sentimentos são as incógnitas mais difíceis, por vezes impossíveis, de decifrar. Quase todos eles, desde o ódio à amizade, ao amor, à raiva, à saudade. Falando de mim em concreto, nunca consegui gerir nada corretamente no que diz respeito a sentimentos. Sempre fui muito prático, clínico. Não que eu não tivesse sentimentos, tinha e tenho, somente com todos os problemas que a minha mente me oferecia, era-me impossível conjuga-los entre si, entende-los, suporta-los.

Sou acordado pelo meu telemóvel que vibra ruidosamente na mesinha de cabeceira. Abro os olhos. O quarto está escuro; uma breve claridade a querer penetrar as frinchas das precianas electrónicas. Esqueço o aparelho inconveniente e foco-me no que realmente me importa no momento. A meu lado, pela segunda vez num espaço de dias, a respiração calma de Victoria é a minha garantia de realidade. A sua cabeça encaixada no meu ombro, o seu respirar a fustigar agradavelmente o meu pescoço. Um sorriso cresce involuntariamente nos meus lábios secos após uma noite de sono tranquila. Fecho os meus olhos ainda um pouco pesados de terem sido abertos faz pouco tempo.

-Anjo belo adormecido, demónio sortudo acordado.- Falo comigo mesmo, divagando na inconsciência dos meus atos enquanto alcanço a mão de Victoria e traço leves círculos sobre a mesma, a sua pele macia contra as minhas mãos sujas de mistérios. Deixo-a com esse pensamento.

Subitamente, as suas mãos entranham-se no tecido da minha camisa e ela suspira, deixando-se estar.

- Acordei-te?- Sussurrei, procurando saber se estava consciente.

- Não.- Murmurou ainda mais baixo.- O teu telemóvel acordou.- Afundou-se no meu peito, a sua cara oculta pela escuridão e pelos seus cabelos desalinhados e selvagens.- Parece que o anjo não estava adormecido.- A sua voz soou abafada.

-Parece que não.- Retorqui, um sorriso envergonhado na minha cara.

-Tão errado mas tão certo.- Ela parece pensar para si própria.- Tudo parece tão inacreditável, nós parecemos tão inacreditáveis.- Continua no seu devaneio.- O que aconteceu connosco?- Percebi que estava a falar para mim quando cutucou o meu peito, brincando com um dos botões da minha camisa.

- O que achas que aconteceu, anjo?- Inquiri, fitando o teto escuro.

- Eu não sei, demónio.

- E o que gostarias que tivesse acontecido?- Silêncio seguiu-se à minha questão, dando-me também algum tempo de assimilação.

-Também não sei.- Decreta. Nem eu sabia. Não sabia se isto era o correto a fazer, ou se havia até mesmo algo que devesse ser feito. Não sabia nada, para ser sincero.- Louis?- Falou ao fim do que pareceu durar uma eternidade.

-Diz.

-O que somos?- Fez a pergunta que nenhum de nós se tivera atrevido a colocar. A pergunta para a qual nenhum de nós sabe a resposta mais acertada. No entanto, tinha de tentar encontrar uma breve definição. Algo que não nos comprometesse, mas que também não nos descomprometesse.

-Eternos mortais apaixonados.- Disse.- Uma relação proibida entre um lindo anjo resplandecente e um demónio degradado pelo tempo.

- Talvez seja isso.- Opinou vagamente.

Delirium ➵ L.TOnde histórias criam vida. Descubra agora