-17th-

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Terça-feira, 1 de março de 2016.

Passaram três dias. Três dias de pura e amarga tortura que teimam em açoitar repetidamente o meu interior. A luta que habita na minha mente é travada a partir do momento em que mergulho no trabalho, devido também à minha sempre fiel matemática que possui as fórmulas mágicas que me levam a ausentar da realidade aterradora. Contudo basta pôr uma misera célula fora do escritório que tudo recomeça. Os problemas voltam a mim e a dor regressa para me infernizar.

Victoria tentou ligar-me durante o fim de semana acabando por desistir, suponho. Não respondi às suas chamadas ou mensagens. Nem penso em faze-lo tão cedo, não enquanto tudo estiver... assim. Acabei por falar vagamente com Samantha, apenas de modo a acertar alguns pormenores para o aniversário da habitante da minha mente. Um evento ao qual nem sei se poderei comparecer, para infelicidade dos demais.

Mergulho em café a única bolacha que encontrei num pacote perdido no armário. O sabor já não era original, considero que já tenha passado do prazo. Porém, não possuo algo mais para comer e não estou com espirito para cozinhar. Nem sequer tenho fome, apenas sabei que se não me alimentar o mais provável é desfalecer lentamente. Pensando melhor, talvez fosse uma ideia a ter em mente.

O som da campainha ecoou ao longo do apartamento, podendo até ouvi-lo reflectir nos azulejos da casa de banho. Levanto-me forçando os meus joelhos débeis. Não acho que esteja apto para receber ninguém mas fingir que não estou em casa é apenas adiar mais um problema. E adiar problemas é necessariamente o que tenho feito ao recusar-me a falar com Victoria.

- Quem é?- Inquiro, parando para ouvir. Não obtenho resposta. Abro a porta, recuando de surpresa. Uma figura alta, com gorro e um lenço a tapar-lhe tanto a boca como o nariz era intimidante. Bem, era intimidante até ao ponto em que reconheci os olhos enigmáticos por entre os fios despenteados que caíam sobre a sua testa.- Assustaste-me.- Afastei-me da porta, cedendo-lhe passagem. Parece que o destino quer que a enfrente, de uma maneira ou de outra.

- Desculpa.- Retira o gorro de lã clara, deixando o seu cabelo levemente desgrenhado.- A noite pode ser bastante gélida.

- Por sinal.- Retribuo, ainda um pouco surpreso e confuso devido à sua presença. Havia uma vaga de preocupação que regia em mim por ela ter aparecido aqui, ao fim destes dias, mesmo que a tenha ignorado. Contudo, por outro lado, relembrando o meu último delírio, estava também aliviado por vê-la à minha frente inteira e sem ferimentos. Pelo menos visíveis.- Como apareceste aqui?- Questiono enquanto a encaminho para a sala.

-Ser irmã do teu patrão tem as suas vantagens.- Decreta, olhando em volta com uma expressão pacífica.

Ao entrar na sala reparo no sofá fora de esquadria, na chávena de café inacabada e nos meus chinelos perdidos. Depois tomo consciência da minha aparência que passa por umas calças de moletom e uma t-shirt larga, sem querer imaginar o estado desprezível em que me devo encontrar.

- Como estás?- Ela parece ignorar todos os aspectos negativos do meu apartamento ao sentar-se confortavelmente no sofá

- Desculpa a desarrumação.- Sorrio de lado, não sabendo como agir.- Estou bem, e tu?

-Sem mentir Louis.- Alvitra.

- Não estou a mentir.

- Sim, tu estás.- Retruca, olhando-me de forma calma. No entanto conseguia ver os rasgos de preocupação e duvida contorcerem-se por detrás do tão bonito verde que o seu olhar possuía.

- Estou...cansado. Somente isso.

- Cansado. Só e somente só?- A sua sobrancelha forma um arco perfeito, tentando persuadir-me a falar.

Delirium ➵ L.TOnde histórias criam vida. Descubra agora