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Sábado, 5 de Março de 2016.


As palavras são traiçoeiras. Por mais que o dicionário estipule significados para cada um dos vocábulos finitos, em vários idiomas, haverá sempre uma forma de os tornar infiéis, obstruindo o seu verdadeiro significado. Cada pessoa irá utilizar cada pequeno amontoado de letras e molda-lo à sua feição, deixando para trás o seu verdadeiro sentido e utilizando um novo e, na sua maioria, demasiado errado. Olhando para trás, provavelmente a culpa não será das palavras em si mas do ser humano, a criatura mais nojenta e desonesta que alguma vez habitou a Terra. Ele sim é o responsável por tornar algo tão belo como um "adoro-te" em algo fictício, carregado de falsidade, gerando inúmeras ilusões horrendas e, mais cedo ou mais tarde, vagas de tristeza avassaladora.

A maneira de como o meu cabelo não ficava apresentável estava a deixar-me insano e tremendamente revoltado com o meu karma. Nunca fui homem de ligar demasiado à imagem mas hoje era diferente, não sabia explicar porquê, somente era.

Hoje tudo teria de estar perfeito.

Uma prova bem coerente disso mesmo são os telefonemas contantes de Samantha ao longo do dia, que visavam esclarecer até o mais ínfimo pormenor, não querendo pôr em causa o trabalho a que nos temos sujeitado nos últimos dias.

Debrucei-me sobre o lavatório e suspirei, olhando para o homem de feições enrijecidas pela raiva e olhos azuis homicidas que me fitavam atentamente. Passei as mãos no cabelo, um gesto frustrado que se revelou ser melhor solução do que a camada de gel que tenho aplicado nos últimos minutos. Abanei a cabeça e saí da casa de banho, não fosse arrepender-me de mais alguma coisa no meu aspeto. Andei em volta do quarto, calçando os sapatos pretos que faziam conjunto com o fato e camisa igualmente negros, onde apenas se fazia sobressair o lenço de um prateado suave.

Quando cheguei ao destino o relógio no meu pulso indicava precisamente sete horas e quarenta e seis minutos da tarde, o que me deixou satisfeito, visto que a chegada de Victoria estava prevista para as oito. Entrei no estabelecimento quase deserto, olhando em volta, encontrando Samantha e Edward a reajustar as matrioskas que decoravam uma pequena fração do espaço. Tudo estava como ontem tivéramos deixado, desde pinturas de monumentos como a Tower Bridge, a Torre Eifell e o coliseu de Roma instalados perfeitamente nas paredes, às toalhas nas mesas com símbolos próprios de cada país.
A decoração fora baseada nas várias culturas europeias, sendo a Europa o destino de eleição de Victoria e não esquecendo nunca o seu fascínio por mitologia grega, o que nos fez atribuir a cada um dos nossos lugares o nome de um Deus grego.

- Arranjos de última hora?- Pronunciei, fazendo-me notar no local. Aproximei-me do casal ainda com as mãos nos pequenos artefactos russos.

- A Sam lembrou-se que as flores holandesas ficavam melhor onde estavam as matrioskas.- Barafustou o loiro, cujo tom de pele não ia de encontro à claridade dos seus olhos.

- Questões de estética.- Samantha defendeu o seu ponto de vista, afastando o seu cabelo negro da cara e revirando os seus olhos de um tom castanho claro.

- Está tudo ótimo Sam, ela vai reconhecer o nosso trabalho, sabes como ela é.- Edward confortou a namorada, abraçando-a por trás, plantando um beijo no limite da alça do seu vestido rosa pálido.

-Sim, eu sei.- A rapariga murmura calmamente e preparava-se para acrescentar alguma coisa quando o seu telemóvel da sinal de notificação em cima da mesa. Eu e o loiro sujo esperamos ansiosamente enquanto ela lia a mensagem.- Eles estão a chegar!- Exclama, olhando em volta desnorteada.

- Calma.- Ed murmura e nesse momento a porta principal é aberta, fazendo-nos estacar ao encara-la com expectativa. No entanto é Ryan que entra, dirigindo-se a nós na sua postura alta e bem-parecida.

Delirium ➵ L.TOnde histórias criam vida. Descubra agora