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Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 2016.

Existem pessoas inesquecíveis no mundo. Pessoas que deixaram a sua marca permanente ao efectuarem feitos memoráveis tais como Einstein e a teoria da relatividade, Leonardo Da Vinci e a Mona Lisa, Elvis Presley e os loucos anos cinquenta, Gandhi e a independência da India. De formas distintas, com lutas diferentes e obstáculos adversos, todos atingiram o mesmo fim, quero dizer, conseguiram encontrar as suas formas de serem relembrados para sempre. Porém nem todos temos essa oportunidade. Nem todos encontramos um meio de nos tornarmos uma figura importante na história do mundo ou até mesmo na de um país. Mas algo que entendi foi que o mundo é aquilo que tu entendes como teu.

Temos consciência de que existem mais de sete mil milhões de pessoas, seis continentes, cinco oceanos, cerca de duzentos países e ainda um espaço infinito fora do planeta Terra. Todavia essa não é a ideia precisa de mundo. O mundo, o nosso mundo, somos nós que o delimitamos e definimos realmente como nosso. Um mundo onde devem constar os teus locais, as pessoas que tu amas e que te amam. E é nesse mundo que tu deves deixar, realmente, a tua etiqueta. Nós não precisamos de um talento estrondoso, uma coragem sobrenatural ou uma habilidade extrema para causar escândalos. Apenas precisamos de ser quem somos, de viver da melhor maneira que nos for permitido, de oferecer tudo o que temos de bom para assim o receber e, mesmo que não sejamos famosos e conhecidos por todo o universo envolvente, mesmo que nunca tenhamos feito nada que consideramos relevante, é incontestável uma coisa. O teu mundo, aquele teu pequeno mundo, irá sempre, sempre relembrar-te.

Suspirei pesadamente, parando o carro de forma bruta atrás de outros, na berma de uma estrada sempre iluminada de Chicago. Por vezes tenho um pouco de saudades de como tudo era calmo na minha cidade Natal, porém não encontro um outro local, neste momento, onde me fosse encaixar. Não que me sentisse de todo enquadrado aqui. De facto, não acho que o mundo seja um local próprio para mim.

Os meus ombros descaíram, a minha cabeça bateu no volante e grunhi, um grunhido exausto. Saí da empresa há horas e não jantei. Limito-me a dar voltas e voltas pela cidade, não sabendo ao certo porquê. Talvez fosse a dor azucrinante e incomodativa na minha nuca que me tem perseguido nos últimos dias, talvez fosse o trabalho, talvez fosse os pensamentos inoportunos que aconchegam a minha vaga de loucura, talvez fosse a ausência de Victoria ou... talvez a ausência de delírios.

Olhei em volta, uma pressão enorme a acumular-se nas minhas têmporas. Sentia-me perdido, como se a minha cabeça não conseguisse raciocinar corretamente. Então, como um feixe de luz divino, uma dádiva dos deuses, vi um café que ainda estava aberto. Não consegui sequer tentar demover-me da ideia. A ânsia de uma pequena vaga de contentamento era muito volumosa para me conseguir opor. Levei apenas cinco dólares comigo e as chaves, esquecendo o resto no automóvel. Num estado consciente, era provável tremer de frio quando a temperatura não devia ultrapassar os oito graus centígrados, todavia eu havia caído num estado de inconsciência profundo há algum tempo atrás.

Entrei no estabelecimento deserto, certamente quase a fechar e dirigir-me à única presença viva no local. As olheiras nos seus olhos denunciavam que a sua vida não devia ser propriamente das melhores.
Como a compreendo.
Pedi um café, esperei e levei-o comigo até à primeira mesa que encontrei. Somente quando o líquido acre invadiu as minhas papilas gustativas me senti um pouco melhor. Mais aliviado. Uma pequena dosagem de paz para a minha alma errante e um pequeno vislumbre de sanidade na minha mente deteriorada. Os delírios eram algo de doloroso para mim mas com o passar dos anos entendi que era muito mais doloroso ficar sem eles. Era como se tudo se acumulasse, a minha mente se revoltasse e a dor se multiplicasse. Não me lembro de uma outra ocasião de ter ficado tanto tempo sem eles. O episódio aterrador de há alguns dias assombrou-me os pensamentos. A força brusca e surreal que me envolveu aparentou ser bem semelhante ao abraço que recebi de Victoria. Um delírio físico? Não sei. Nada do que aconteceu (e acontece) ao longo dos últimos dias é normal. Não que o passado o fosse, isto é apenas... ainda mais anormal.

Delirium ➵ L.TOnde histórias criam vida. Descubra agora