-19th-

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Sexta-feira, 24 de dezembro de 1999.

Quando a mamã pegou em mim naquele dia de primavera ela disse-me que íamos fazer uma viajem grande. Sorri com a ideia, nunca tivéramos feito uma viajem! Pela primeira vez em algum tempo entrei rapidamente no carro, cheio de vontade, deixando para trás o ninho de passarinhos carecas que encontrara no grande carvalho à entrada da floresta. Mal sabia eu que acabara de embarcar na viajem para o pior dos meus pesadelos.

Olhei em volta, sentindo-me deslocado. A enfermeira Dolly, uma mulher cuja idade era evidenciada pelos cabelos brancos e doentios que lhe escapavam debaixo do seu gorro de natal encarnado, estava a tentar acalmar um rapaz cuja idade deveria ser o dobro da minha. O menino esperneava e gritava coisas como não ser louco, injustiças e palavras que em tempo aprendi a entender como feias, debatendo-se contra os braços da mulher que o aprisionava. Depois, como já era costume quando uma situação semelhante acontecia, um senhor alto e com um sinal muito grande no queixo apareceu e agarrou o menino exaltado à força, picando-o com aquela coisa afiada que descobri por mim mesmo doer, ao longo dos extensivos nove meses que passei aqui, fechado.
Deixei de fitar a cena quando levaram o moço dali, já bastante mais calmo. Concentrei a minha atenção no meu caderno gasto, rabiscado com coisas estranhas e coloridas, que pedi a uma das senhoras que hoje parecia um pouco menos malévola.

Uma senhora baixa, de ar jovem e uns corninhos de rena com guizos que faziam umas vibrações engraçadas entranharem-se nos meus ouvidos sorriu-me levemente. Era a primeira vez que tinha visto um sorriso desde que a mamã me tinha trazido aqui e perguntei-me se a senhora, de nome Áurea segundo me lembrava, sabia que era o meu aniversário. Mas não, ela não sabia.
Desviei o olhar dela, sem lhe retribuir o gesto. Encarei a folha ainda em branco do meu caderno e comecei a fazer contas de multiplicar e aquelas que têm uma letra e alguns números. Pensei no que os meus amigos me chamaram, no último dia que tive de liberdade: Aberração. E era por isso que estava aqui, não era? Por ser uma aberração. Eu próprio já reconheço isso. Respirei fundo e regressei ao meu único passatempo: contas.

O dia passou devagar. A maioria das crianças que aqui estavam foi levada pelos pais. Até mesmo aquela menina grande das sardas que tinha os olhos vermelhos, os pulsos esfolados e quase todas as semanas ficava na solitária. Não estava com muitas esperanças que a mamã me viesse buscar, ela não me veio visitar, nunca. E se ainda acreditava que podia, tudo se esvaneceu quando era hora de ir para a cama e a enfermeira Dolly estava de regresso para se certificar que todos íamos para os nossos quartos. Tal como todos os dias caminhei sem qualquer objecção, limitando-me a ouvir os passos à minha volta.

- Ainda bem que não tiveste nenhum ataque hoje.- Falou ao fechar a porta, deixando-me triste. Ela não gostava de mim, ninguém gostava de mim.

Abanei a cabeça e vesti o meu pijama. Fui até à janela do meu quarto e vi, através das grades que impediam a minha fuga, escuridão. Escuridão e silêncio.
Os meus ombros abateram-se com o peso que caiu sobre mim. Fazia oito anos hoje, era véspera de Natal e, pela primeira vez, ia passar completamente sozinho. Até a menina da minha cabeça me abandonou hoje. Ainda assim, ela era a única que eu sabia estar perto e que nunca me haveria de abandonar.

-Parabéns Louis.- Murmurei para mim mesmo e soprei, como se tivesse um bolo à minha frente.

E o meu único desejo foi desaparecer, coisa que uma criança de oito anos nunca deveria desejar, muito menos no dia do seu aniversário.


Feliz Natal! Obrigada por toda esta fantástica experiencia que me proporcionam! Não fazem ideia do quanto a vossa dedicação ao ler, votar e comentar me faz mais feliz a cada dia que passa! Delirium não seria Delirium sem cada um de vocês! Muito obrigada por tudo! Espero que tenham tudo o que desejam e, se não tiverem, pelo menos que tenham quem vocês precisam ao vosso lado!

Isto foi o meu presente para vocês, não é muito elaborado, é pequeno mas olhem, é de coração!
Muito, muito obrigada!
P.s- COMAM MUITAS RABANADAS MAS CUIDADO COM OS GNOMOS ASSASSINOS!

Time.


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