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Quinta-feira, 24 de março de 2016.

A maioria dos humanos rende-se aos típicos romances clássicos, onde surgem heróis literários, relações perfeitas, amor forte e duradouro. Não nego que o amor exista, ou muito menos duvide que não há, de facto, histórias de amor bonitas nos dias de hoje. No entanto, a vida está longe de ser um romance e talvez seja por isso que a maioria das pessoas se tenta refugiar neste tipo de livros.
Pessoalmente acho-os um absurdo. Os romances são fictícios, o amor nem sempre tem a força suficiente para superar todos os problemas, nem sempre ficamos com a pessoa que amamos, nem sempre podemos ser felizes para sempre. Aliás, é inevitável que tudo o que é bom tem um fim.
Mas, ainda assim, discordando em parte do que acabei de dizer, acredito que seja o amor que faz a vida continuar. Acredito que é o amor que nos guia ao longo da nossa existência, que nos faz lutar e ultrapassar dificuldades nos tempos mais difíceis.
No entanto, por vezes, o amor também nos obriga a tomar decisões, algumas que requerem afastamento, sacrifício.

E é por isso que, em algumas histórias, algumas pessoas, não possuem um final feliz. Porque da mesma maneira que é o amor que faz girar o mundo, também é o amor que o faz parar. E, então, o amor que as une é o mesmo amor que as separa.

Os dias passavam devagar no laboratório. Tão devagar que dava a sensação de ter passado apenas dois dias desde o meu último respiro de liberdade. No entanto, há já uma semana e alguns dias que estou aqui, num cativeiro doentio, rodeado de químicos estimulantes e comprimidos de proteínas, que são o recurso que me mantem vivo, ainda que carente de comida.
Pergunto-me como estará o mundo lá fora, numa tentativa falhada de me entreter por entre todos os testes e experiencias a que tenho sido sujeito. Por este andar, já devo ter perdido o meu emprego na AID, o meu apartamento deve estar imundo e ela deve permanecer em coma, visto que os meus delírios não andam muito ativos ultimamente.

Suspiro longamente. Precisava de esticar os meus músculos, no entanto permaneço de pés e braços atados, e os poucos passos que dou até outras salas não chegam para aliviar a tensão acumulada no meu corpo. Ainda que a tensão na minha cabeça seja muito maior.
Sem delírios e com químicos frequentemente a entrar na minha corrente sanguínea, temo que não aguente muito mais tempo sem ter um esgotamento nervoso, e neste momento, nem Martha me poderia valer para um mero desabafo, visto que a mesma está fora desde a passada segunda-feira.

Olho para o teto cinzento do edifício pela milésima vez na última hora. Quanto mais olho, mais ele me aborrece. Quanto mais olho, mais o meu ódio cresce. Quanto mais olho, mais a minha cabeça dói. Quanto mais olho, mais o cinzento se transforma em verde. Quanto mais olho, mais a minha loucura aumenta.

E tanto olhei, que explodi.

A pele clara e pálida em volta dos seus olhos estava tingida de sacos azulados, entre o azul-escuro e o roxo, sendo quase impossível ver as pequenas sardas no topo das suas bochechas. E depois, devagar, como um anjo a descer à terra, os seus olhos verdes abrem-se lentamente, opacos e desnorteados, trazendo vida com a sua confusão.

*3I

Delirium ➵ L.TOnde histórias criam vida. Descubra agora