Os meus pais desapareceram quando eu nasci. Ninguém sabe o que lhes aconteceu, apenas sabem que fui deixada à porta de uma igreja sem nenhumas indicações. Vivi até aos três anos com um casal que me encontrou, mas eles tinham tendências violentas e acabaram por me bater algumas vezes. Depois, fui acolhida por um lar de freiras e já vivo aqui há, fez recentemente, 13 anos. A verdade é que nunca saí muito do lar. Sempre que saíamos era apenas para ir às compras, acompanhar alguma irmã a uma consulta ou até mesmo ir nalguma procissão, o que raramente acontecia. As irmãs nunca me deixaram misturar com as pessoas do exterior, dizem que são más e vão fazer-me mal. Acredito nelas, porém todos os livros que li retratam coisas incríveis que ocorrem quando estamos apaixonados e amamos muito a outra pessoa. Nunca estive apaixonada, nem sequer sei como é uma relação de hoje em dia. Antigamente um rapaz vinha cá ajudar com os almoços para as crianças que também cá estão acolhidas, mas assim que as irmãs perceberam que eu e ele estávamos a ficar demasiado amigos, proibiram-no de cá vir. Raramente vejo raparigas da minha idade, mas quando vejo, elas fazem questão de me olhar com desprezo e comentar qualquer coisa a meu respeito umas com as outras. Sei que não uso as roupas mais bonitas e caras, mas tudo o que as irmãs me podem dar são roupas da sua juventude antes de irem para um convento, raramente me compram roupa, apenas no natal ou aniversário, mas ainda assim fico muito feliz por se lembrarem de mim nessas alturas do ano.
Hoje vou embora. Sou a mais velha das crianças acolhidas e o lar está a passar por dificuldades financeiras, portanto tiveram que fazer algo para que eu deixasse de ser despesa. A irmã Lúcia disse que, com muita pena por me verem partir, me vão entregar a um doador de fundos que costuma ajudar o lar e bastantes instituições de caridade nas redondezas. O seu nome é Harry Styles. As irmãs disseram-me que tenho que o tratar com respeito, obedecer e comportar-me sempre conforme ele pedir. Assim o farei, pois sei que esse homem deve ter uma alma muito caridosa.
Aguardo junto ao portão velho com as minhas malas, que as irmãs arranjaram no sótão, já prontas e arrumadas. Pedi-lhes para esperar aqui sozinha, porque seria mais difícil partir vendo-as a perderem-se da minha vista. Do outro lado da rua há um enorme edifício espelhado, aliás, aqui em Londres há muitos desses, mas este é basicamente o único que conheço de vista. Aproximo-me um pouco mais da berma da estrada e consigo ver nitidamente o reflexo do meu pequeno corpo no espelho. O meu cabelo negro fica-me um pouco acima dos ombros, a pele pálida e branca faz contraste com os olhos verdes e os lábios sempre rachados e vermelhos de morder. Sorrio ao lembrar a alcunha carinhosa que sempre me chamavam no lar; Branca de Neve. Hoje estou particularmente bem vestida. Envergo um vestido vermelho escuro com mangas compridas, fica-me acima do joelho, o que me põe um pouco desconfortável por mostrar tanto as minhas pálidas pernas, que apesar de cobertas por umas meias brancas subidas, não são para mostrar na rua. É rendado de branco nos punhos e no colarinho. Foi o vestido mais lindo que alguma vez usei. Apenas o uso em ocasiões especiais, como natais e aniversários importantes. Mas desta vez esmerei-me. Quero mesmo impressionar o meu novo...Pai?
Enquanto desvaneio sobre isso, um carro elegante e escuro para à minha frente. Aguardo sorridente que ele saia do carro para finalmente ver o meu novo papá. Uma figura alta e musculada surge vestida num fato igualmente negro. Rapidamente a realidade atinge-me e percebo que é demasiado jovem para ser o meu papá. As suas feições mostram dureza e rigidez, apesar do seu delicado rosto. Uns olhos verdes profundos observam-me de cima a baixo e sorrio nervosamente fazendo o seu rosto aliviar um pouco.
"Valentina?"
Assinto e de seguida o senhor vem até junto de mim e pega nas malas colocando-as no porta-bagagens. A porta do carro é me aberta e agradeço entrando. Rapidamente o senhor entra no lado do condutor. O meu nervosismo, alegria e tristeza absorvem-me de qualquer reação e apenas fico sentada tensamente ereta no banco extremamente confortável. Sinto o olhar do senhor a queimar em mim e quando olho na sua direção, este sorri estranhamente antes de arrancar com o carro. Como é suposto este senhor ser o meu papá se ele deve ter apenas mais alguns anos do que eu? Não faz sentido.
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Valentina
RomanceUma relação proibida numa sociedade pragmática. Uma luta eterna pelo amor.