O som dos meus saltos altos, a baterem contra o piso de pedra, faz eco por todo o corredor. Caminho focada e determinada, em passos firmes e velozes, percorro o edifício sombrio. Sinto gotas de suor a formarem-se no meu pescoço e passo a mão por lá eliminando todos e quaisquer vestígios de nervosismo que possam ser vistos em mim. Os meus dedos esguios seguram firmemente a carta que me foi enviada há uma semana, mas que apenas veio parar às minhas mãos há meros dias quando voltei para Nova Iorque.
Passaram-se 7 anos desde a última vez que estive na presença do Harry naquele quarto de hospital. Desde aí que nunca mais o vi, nunca recebi noticias, uma chamada, uma carta, nada. Pó e dor foi tudo o que consegui dele. Nada mais. Foi difícil, muito difícil, devo dizer. Perdi tudo o que tinha de um minuto para o outro, o que eu pensava ser meu, escapou-se-me por entre os dedos como a areia mais fina da praia. Esperei durante dias para que ele entrasse pela porta do quarto de hospital mas nunca aconteceu. Voltei a sua casa e descobri que tudo o que era dele tinha desaparecido com o seu corpo cobarde. Semanas depois fui levada para um centro de reabilitação porque me foi diagnosticada uma depressão profunda. Quase um ano se passou de pura tortura fechada com os meus próprios pesadelos e medos a tornarem-se reais, foi o que aconteceu. Depois de sair novamente percebi que não tinha nada nem ninguém a quem me apoiar. Estava por minha conta.
As flores que plantámos juntos morreram de sede, foram meses de pura tortura e ele parecia sempre tão presente em mim. Aí percebi que nenhum de nós ganhou a nossa pequena guerra pessoal e demasiado íntima. Confesso que me senti a afogar nos primeiros tempos, mas finalmente consegui respirar e quando amanhecia, no dia seguinte, tudo o que me lembrava dele desaparecia aos poucos com a sua sombra. As borboletas que sentia, toraram-se em pó e num vazio, agora preenchível por algo mais do que imaginei. Livrei-me de tudo o que era relacionado consigo, as fotos, as prendas, tudo, deitei tudo à água do rio que as levou, assim como ele, que flutuou para longe de mim sem nunca olhar para trás. Nesses dias gritei tão alto que ninguém ouviu uma única palavra, senti-me livre dele. Meses depois percebi que ser independente, não significava não ter saudades dos momentos felizes, mas ainda assim decidi não arriscar novamente e mantive-me segura e longe da sua presença e memórias avassaladoras. Pela primeira vez em tempos, senti-me livre e limpa.
Dediquei-me aos estudos e completei o secundário, num curso noturno especial, por já ter 18 anos. Depois candidatei-me a uma universidade aqui em Londres e trabalhei durante a noite para sobreviver, foram tempos difíceis e solitários que ultrapassei sozinha, sem ninguém para me apoiar e motivar a continuar. Sem ele. Fi-lo por mim, por que cheguei à conclusão que a vida é muito mais do que ficar presa ao passado. Reencontrei Mary, uma colega de escola e na altura achei uma víbora, mas que vim a descobrir ser uma boa pessoa, tornámo-nos amigas muito próximas. A mãe de Mary é muito rica e tem uma marca de roupa feminina em que é a estilista principal, quando terminei o curso de marketing convidou-me para trabalhar com ela, assim como Mary. E é isso que tenho feito desde então, há dois anos que trabalho com ela e nunca estive tão bem. Obviamente algumas coisas mudaram, o meu receio em relação a abrir-me com as pessoas. Tornei-me numa pessoa completamente diferente, fria e fechada com o mundo exterior. Tornei-me naquilo que sempre disse não querer ser.
Mas a vida continua. Tenho emprego, algumas pessoas que posso considerar amigas, e uma espécie de família que aprendi a aceitar mesmo com os defeitos e passado. Estivemos numas férias em Miami há umas semanas, os meus irmãos estão a crescer e a minha mãe está a aprender a não afastar as pessoas, está a trabalhar numa pastelaria da cidade, aqui em Londres e está feliz como sempre a sonhei ver. Estava tudo a correr bem, até esta carta chegar à minha caixa de correio.
Continuo a caminhar pelo último corredor que é o meu destino sem dizer uma palavra ou alguma coisa que me faça parecer fraca, coisa que deixei de ser há sete anos a partir do momento em que me vi sozinha neste mundo cruel.
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Valentina
RomantiekUma relação proibida numa sociedade pragmática. Uma luta eterna pelo amor.