16 | Tecendo planos

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We play dumb
But we know exactly what we're doin'

Fingimos que somos bobas
Mas sabemos exatamente o que estamos fazendo


New Romantics

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Como é aquele lance de O Pequeno Príncipe?

Se tu vens às seis da tarde, desde muito antes estarei subindo pelas paredes? Algo assim.

Ember disse que viria me ver — em nome da amizade e tudo mais, porque agora minhas definições de amizade estão se expandindo para significar trocar felicitações de ano novo e também beijos em banheiros — e resta a mim decidir o que fazer da minha vida até ela chegar.

Como estou sem celular, tento ler um romance tóxico, porém fofo, que comprei um dia desses em um sebo no centro da cidade. Me sento no sofá, de pernas cruzadas, e abro o livro de páginas amareladas cuja capa mostra um homem absurdamente musculoso sem camisa e uma mocinha com um vestido bufante que escorre pelos ombros, mostrando um pouco dos seios. O livro é quase uma relíquia de tão velho, e já estou na metade da leitura, mas nem a tensão sexual entre os protagonistas é capaz de deter a minha atenção por mais do que alguns minutos.

Deixo o livro de lado e ligo a televisão, sintonizando em um canal de esporte passando um jogo de futebol masculino. Mas assistir a qualquer partida de futebol sem Ember parece uma traição, o que é ridículo, porém não consigo ignorar o incômodo. Troco de canal, parando em uma partida de tênis e relaxo no sofá pelos minutos restantes até o final do jogo, quando mais uma vez me encontro sem ter o que fazer.

Eu me levanto, olho na direção da cozinha, e tenho uma ideia abominável: e se eu cozinhar para a Ember? Quer dizer, para nós duas. Na amizade.

Penso em pegar o celular para mandar uma mensagem a Emily, pedindo para ela me passar a receita de feijoada da mãe dela, mas aí me lembro de que não posso fazer isso porque estou sem celular. O que não me impede de, logo em seguida, ter a brilhante ideia de usar o celular — inexistente — para procurar a receita no Google.

Preciso, então, recorrer ao computador, tal qual as pessoas faziam na Idade Média, mas pelo menos passo uma boa meia hora entretida no site do Tudo Gostoso, buscando a melhor receita. Só depois disso é que coloco uma playlist com as melhores do Queen para tocar no YouTube e começo a trabalhar ao som de Bohemian Rhapsody.

Preciso adaptar um pouco os ingredientes, porque só tenho linguiça calabresa, feijão congelado e força de vontade, mas acho que compenso nos temperos. O apartamento é dominado pelo cheiro divino de alho refogado, e eu sorrio enquanto cozinho, cantarolando sozinha.

Só quando a campainha toca é que eu me lembro de, bom, surtar de novo.

Meu corpo entra em curto-circuito, parece que quer se desprender de mim e sair correndo para as colinas, fugir de uma vez por todas da minha mente maluca. Irônico, porque todas as sensações de quase-morte — as mãos suadas, a boca seca e as batidas aceleradas do meu coração — são um oferecimento da mente maluca em questão.

Vou até a porta, encosto a mão na maçaneta e respiro fundo.

É melhor ser mesmo a Ember do outro lado. Se for outra pessoa, eu não respondo por mim.

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