Capítulo 4

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... E sonho com você o tempo todo 

Já se passaram três semanas, desde que Jeziel se tornou o novo aluno da turma, e ela ainda não parou de vir até aqui, atormentar minha paz.

— Paciência Melissa... paciência... — recito baixinho, feito um mantra, quando noto que lá vem Leticia mais uma vez, se empoleirar em minha mesa. Ela sempre faz isso, entre uma aula e outra. Senta a bunda na minha mesa, mal me cumprimenta, se vira para Jeziel e puxa um assunto nada interessante.

A única coisa boa nisso, é que ela parou de forçar amizade comigo. Só tenho dó do coitado ao meu lado, porque ela faz questão de grudar em Jeziel. E assim como eu agia, antes dela encontrar um novo alvo para sua inconveniência, sempre que pode, ele escapa, arrumando desculpas tão esfarrapadas quanto as minhas. O problema é que ele a trata com educação, e isso é o suficiente para mantê-la insistindo.

Enquanto eu?... Mesmo tentando levar a vida o mais normal possível, a presença dele ainda mexe comigo. Talvez, pelo fato me sentar ao seu lado todos os dias, à noite ele é o principal enredo dos meus sonhos. E não é nada fácil me deparar com Jeziel de manhã e, parecer indiferente, se a noite inteira ele passou na minha cabeça.

Nos sonhos, ele nunca fala nem me toca, mas está ali ao meu alcance, me observando, enquanto viajo na imaginação da minha inconsciência. E quando chego à escola, ele é real, e diferente do sonho, apesar de estar ao meu lado, não está ao meu alcance.

Não entendia o porquê, mas vez ou outra o pegava me encarando, numa expressão indecifrável. Talvez, esperando que eu fizesse algo que desse a ele uma brecha para falar comigo, ou que eu agisse igual as outras garotas e puxasse um assunto qualquer, só para ter a atenção dele. Aquilo só podia ser fruto da minha imaginação, então, eu ficava na minha. E se não fosse? Problema dele. Eu que não ia dar uma de garota deslumbrada, e ficar babando só porque ele existia.

Eu ficava — droga! — Ficava sim. Mas ele não precisa saber disso.

Nos intervalos, em companhia de Letícia e suas seguidoras, Jeziel passeava pela escola. Às vezes ajeitava os cabelos com as mãos, às vezes sorria com algo que uma das garotas lhe dizia. Cada movimento seu, era rastreado por mim, que disfarçava, assim que ele percebia.

Assistia, da minha árvore-esconderijo, ele cercado por suas novas amigas, que o tratavam como se ele fosse um ídolo pop, idolatrando cada gesto. Eu não as criticava, se tivesse coragem, ia lá fazer o mesmo.

Aquilo para mim era uma tortura e ao mesmo tempo o céu. Tortura, porque eu não queria esse tipo de sentimento, e céu, porquê, por mais que aquilo não me levasse a nada, já tinha se tornado um vício admirá-lo e, mesmo em casa, longe da sua presença, me pegava pensando nele.

Qualquer coisa me lembrava dele, essa era a verdade. Percebi isso num dia, faxinando a casa com minha mãe, e ela tocou sua playlist favorita. No geral, já estava acostumada com seu gosto musical, que variava do internacional ao pagode e do flashback ao sertanejo, de uma música a outra na mesma lista, e até cantava algumas com ela. Só que, quando tocou, Here without you do 3 Doors Down, uma das antigas que ela mais gosta da tradução, me vi usando o cabo de vassoura como microfone. 

Mamãe se juntou a mim, fazendo segunda voz, e cantamos a todo pulmão o refrão.

E pela primeira vez, em sei lá quanto tempo desde que ouvi aquela música, a letra fez sentido para mim. Até salvei na minha própria playlist.

Ridículo. É eu sei.

Biel percebeu algo de errado comigo. Sempre repetia duas vezes o que falava, já que na primeira, eu me encontrava distraída demais para responder. Noventa e nove por cento das vezes, estava pensando em Jeziel.

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