Mais um dia

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Quando acordei pela manhã haviam roupas limpas no quarto, calças e camisas grandes como eu costumo usar. Haviam algumas camisetas mas com certeza eu não usaria elas.

Tinham também roupas íntimas e produtos de higiene pessoal que provavelmente durariam uma eternidade pela quantidade.

Tomei um banho rápido e me vesti, não sei que horas eram mas com certeza já estava tarde, eles haviam colocado um espelho novo no banheiro enquanto eu dormia e só agora pude ver as marcas roxas no meu pescoço. Minha pele é escura então só por estar marcado eu já sabia que Ian tinha apertado demais ontem.

Ouvi batidas na porta e antes de eu dizer para entrar o mesmo homem abriu a porta desta vez sem comida nas mãos.

— O senhor Ian disse para descer, o café da manhã está servido.

— Não estou com fome.

— Não foi um pedido.

Eu não podia ficar com raiva do homem que estava a minha frente ele só estava cumprindo ordens mas eu estava com raiva do Ian e de toda essa merda.

— Qual o seu nome?

— Vitor.

— Você é um empregado?

— Sou mordomo..

É claro que ele teria um mordomo...

Sai do quarto seguindo pelo corredor e depois novamente pelas escadas, Vitor me indicou com as mãos onde ficava a sala de jantar onde eles estavam e eu fui até lá. Surpreendentemente não era apenas o Ian que estava a mesa. Ele levantou seu olhar pra mim e indicou com a cabeça para que eu sentasse ao seu lado na mesa e sem opção eu fiz isso.

— Esse na sua frente é o Pierre.- ele disse apontando pro homem careca que combinava a armação dos óculos com a roupa.— Quando terminar de comer vá com ele até o escritório.

— Eu não estou com fome.

— Coma.

Seu pai estava na ponta principal da mesa, comendo e lendo um jornal, o tal Pierre parecia me analisar enquanto eu me obrigava a engolir os ovos mexidos e a torrada.

Estava ficando cada dia mais difícil comer, eu sentia que estava emagrecendo ou talvez seja só minha vontade de ser magra o suficiente pra ser considerada uma pessoa.

— Porque você está usando roupas que são três vezes maiores que você.- Pierre perguntou finalmente dizendo alguma coisa me fazendo notar sua voz afeminada.

—...são do meu tamanho..

Talvez estivessem um pouco maiores mas não eram tão grandes pra mim. Sem perguntar mais nada ele apenas terminou de comer, sentia Ian me encarar cada vez que eu enrolava para levar a comida a boca.
Estava com vontade de chorar, desde que cheguei aqui não paro de comer e quando me sinto satisfeita começo a sentir o fecho da calça apertar.

— Posso ir ao banheiro?

— Primeira porta a esquerda.

Levantei quase correndo dali depois de ter devorado o prato todo e quando cheguei ao banheiro novamente vomitei tudo. Faço isso a mais de um ano mas ainda não me acostumei com a horrível sensação. Depois de me recompor eu voltei a mesa, ainda estava pálida quando Pierre olhou pra mim com o cenho franzido e disse.

— Podemos ir?

— Sim..

Ele levantou da mesa e eu o segui até o escritório reparando nos detalhes da casa, era muito maior do que eu pensava realmente. Quando ele fechou a porta atrás mim eu o segui até mesa que estava uma bagunça e cheia de papéis.

— Tudo isso são fichas, relatórios de pessoas sequestradas. Nesta pasta você vai encontrar os nomes não é tão difícil. Se você notar que está faltando um nome nas fichas você marca. Entendeu?

— Sim..

— Quando terminar me avisa vou estar aqui.

Realmente não era complicado o problema é que minha mente me levaria até onde Ian me contou sobre isso ontem. Cada nome era uma pessoa sequestrada, talvez um inocente..

Mesmo assim comecei o trabalho, vendo todos aqueles nomes um atrás do outro marcando todos eles e provavelmente os condenando. Mas era exatamente como Ian disse eu tinha uma sensação estranha de poder, óbviamente não era como matar de fato alguém mas eu conseguia entender a metáfora.

— A quanto tempo tem bulimia?

Pierre perguntou repentinamente me fazendo encará-lo, será que ele tinha me visto? De qualquer forma ninguém deveria saber disso é humilhante demais precisar me submeter a esse tipo de coisa.

— Eu não sei do que tá falando.

— Ah você sabe...antes de trabalhar aqui eu era estilista, vesti muitas modelos que faziam exatamente isso.

— Como veio parar aqui?

— Não mude de assunto. A questão é que elas faziam isso pra manter o baixo peso que tinham e não que seja certo mas funcionava...mas você não é gorda.

— É claro que eu sou.

— Não você não é...você tem um corpo incrível.

— Só pode estar brincando...sabe como me chamavam até semana passada na escola? De baleia. E sabe porque? por causa do meu peso. Eu não preciso de mais gente  debochando de mim então porfavor fique quieto.

Eu estava perdendo o controle muito fácil e eu precisava parar com isso, eu nunca fui grosseira mas o estresse desse lugar me transforma em outra pessoa. Talvez ele só estivesse tentando me deixar melhor em relação ao meu sobre peso e eu estava envergonhada agora pelo que disse a ele.

Voltei minha atenção aos papéis tentando ignorar ele na sala mas novamente ele voltou a dizer.

— É bem triste na verdade...devia se enxergar de fora.

Eu me enxergava de fora o tempo todo, eu era apenas o espelho do que os outros me diziam. Se ninguém nunca contradisse como me chamavam então era verdade, certo?

Alguém bateu na porta e Pierre disse para entrar, Vitor foi até sua direção e sussurrou algo em seu ouvido. No mesmo instante Pierre pareceu inquieto e se virou pra mim dizendo

— Vá para o seu quarto, agora.

ObsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora