O Viajante - Capítulo X - Mikael - Fevereiro de 1973

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Com o chute na cabeça, o Wolfgang caiu desmaiado no chão. Menezes então o chutou várias vezes na região das costelas.

— Almeida! — Minha voz saiu em um grito embargado. Eu realmente estava desesperado. Meu coração parecia prestes a explodir e meu corpo tremia. — Por favor, faz ele parar!

O policial Almeida me olhou.

— Ele vai matar o moleque! Faz ele parar, por favor! A gente não tava fazendo nada errado! A gente trabalha! Eu sou enfermeiro, ele é garçom! Nossa vida é honesta! Faz ele parar… Por favor…

Ele atendeu a minha súplica e segurou o colega pelos braços. Menezes se debateu, tentando pegar o revólver no coldre. Mas Almeida foi mais rápido e o impediu ao apertar o pulso do colega com força.

— Para com isso, porra! — Almeida gritou. — É só um moleque!

— Deixa de ser idiota, Almeida. Vai deixar um marginalzinho desses vivo?

— O moleque só falou merda, Menezes. Ele vai lembrar desse castigo o resto da vida, cacete! Agora, pronto. Deixa os dois!

— Você é um covarde! — Menezes deixou de se debater e se afastou do colega, caminhando em direção à viatura.

Almeida caminhou até mim e abriu as algemas. Em seguida, se agachou do lado do Wolfgang e fez o mesmo. Ele olhou para o rapaz desmaiado ali e me encarou com o canto dos olhos.

— Ele tá vivo. — Disse de maneira firme. — Pega seu amigo e some daqui.

— Obrigado, Almeida! — Corri em direção ao Wolfgang e, cuidadosamente, passei o braço do rapaz ao redor do meu ombro. — Obrigado!

Levantei o Wolfgang desacordado e andei em direção ao carro. Abri a porta do passageiro do Corcel azul do meu pai e coloquei o rapaz no banco. Dei partida e saí de perto daquelas viaturas.

Dirigi até uma rua deserta, iluminada por postes de luz amarelada, parei o carro e observei o Wolfgang. Ele tinha um corte na sobrancelha que sangrava muito. Seu nariz também estava sangrando e haviam muitas escoriações pelo seu corpo.

Pressionei o corte na cabeça com a mão, tentando fazê-lo parar de sangrar.

— Wolfgang. — Chamei-o. Temi que ele pudesse ter sofrido um traumatismo craniano com o chute do policial.

Seus olhos estavam inchados e sonolentos e  se abriram quando o chamei.

— Desculpa… — Wolfgang sussurrou com uma voz fraca. — Desculpa, Mikael.

— Você sabe onde você tá?

— No carro…

— Sua visão tá escura? Borrada?

— Não… — Ele respirou fundo e grunhiu de dor. Outra possibilidade me assustou: a dele ter fraturado as costelas. — Me desculpa…

— Vou te levar pro hospital que eu trabalho. É filantrópico. Eles… Eu dou um jeito de te atenderem.

— Me leva pra casa.

— Não! Você bateu a cabeça e apanhou feio. Você precisa de um médico e precisa fazer um monte de exame.

— Por favor, Mikael. Me leva pra casa… Pro meu pai…

— Não… — Não era uma atitude racional não levar alguém naquele estado para o hospital.

— Me desculpa… Eu sou doente. Tenho uma doença mental… — Seus olhos olharam os meus. — Me deixa na minha casa e se afasta… Ou eu vou te arrastar pro fundo do poço… Como eu fiz hoje.

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