O Viajante - Capítulo XI - Isabelle - Março de 1973

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Meus dedos batiam com força nas teclas na máquina de escrever

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Meus dedos batiam com força nas teclas na máquina de escrever. Eu narrava, naquela folha de papel, um surto de casos de meningite no sul da cidade. Aquelas pessoas não tinham apoio de ninguém. Estavam abandonadas à própria sorte. Mas ao menos, eu podia fazê-las serem ouvidas.

Olhei de relance para a foto do meu pai no porta retrato sobre a escrivaninha. Seu sorriso doce e olhos vívidos iluminavam a fotografia. Como eu queria poder ouvir a voz dele mais uma vez. Meus olhos se encheram de lágrimas ao contemplar sua face.

Levantei-me e fui até a janela do apartamento. Eu vivia num apartamento confortável no centro da cidade. As paredes eram pintadas de um carmesim profundo. O chão era de madeira e haviam vários retratos e pinturas penduradas na parede. Eu tinha um sofá amarelo comprido e três gordas poltronas de couro. Recentemente, comprei uma elegante TV nova, adornada por uma madeira envernizada num tom castanho avermelhado e, no meio da sala, ela parecia combinar com as paredes em uma distopia cor de sangue. Encostada na parede do lado esquerdo da sala, estava minha escrivaninha e a máquina de escrever sobre ela. Uma vitrola, numa mesinha de canto, tocava Elis Regina.

Acendi um cigarro e fumei enquanto olhava as ruas da cidade. Estava anoitecendo. Os faróis dos carros já estavam acesos e o trânsito estava intenso. Uma chuva fina caía, embaçando o horizonte.

Depois de me perder nos longos minutos de divagação, fui até o banheiro e tomei um banho quente. Olhei-me no espelho do banheiro e notei grandes olheiras debaixo dos meus olhos. Cobri-as com maquiagem e passei um batom rubro nos lábios. Sempre que eu me maquiava, sentia que podia colocar uma máscara de mulher forte sobre a face da menina assustada.

Vesti boas roupas. Uma calça marrom, camiseta de gola alta vermelha e um par de sandálias de couro preto. Coloquei meus óculos e peguei a minha bolsa. Abri a bolsa e me certifiquei que o revólver estava lá dentro.

Dirigi até o quarteirão daquele prédio vazio. Estacionei o meu Opala vermelho há algumas ruas do edifício. Caminhei calmamente até o prédio. Em meus braços, eu carregava uma pasta de couro com o meu texto datilografado em papéis de ofício.

Entrei no prédio. Era um amplo espaço vazio. Fui até à porta de madeira que ficava nos fundos do edifício. Ao abrir, dei de cara com a escadaria. Desci os degraus até alcançar o porão.

Minha antiga professora Catarina estava ali, solitária, sentada diante de uma escrivaninha. Seus olhos atentos, por debaixo dos seus óculos, liam um papel.

— Oi, professora. — Cumprimentei-a. A mulher me encarou. Catarina estava sempre séria. Seu rosto era austero e com traços firmes, queixo angular e olhos grandes, até mesmo levemente acusadores. Ela usava uma pesada maquiagem escura ao redor dos olhos. Seus cachos negros, que já começavam a ganhar fios grisalhos, estavam presos em um coque.

— Oi, Belle. — Mas apesar daquele semblante firme, Catarina era uma pessoa doce. — O que você tem aí? — Indagou, olhando para a pasta em meus braços.

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