O Viajante - Capítulo I - Wolfgang - Janeiro de 1973

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A chuva batia na janela

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A chuva batia na janela. O vidro tremia a cada batida. O vento uivava um cântico antigo, dos primórdios do mundo. A lua se escondia em meio às nuvens naquela noite.

Joguei o balde com água, repleta de espuma, no vaso sanitário. Eu não iria colocar minha mão naquele monte de mijo. Dei descarga e considerei o banheiro limpo. Lavei minhas mãos com cuidado e saí daquele cômodo insalubre.

O relógio marcava 8h da noite. Eu estava sozinho. Havia ficado até mais tarde no trabalho. O Silva tinha me dito que pagaria a mais. Era disso que eu precisava. Dinheiro.

Eu trabalhava em um bar. Ele ficava localizado dentro de um prédio comercial de concreto, pintado com uma tinta verde que, aos poucos, começava a descascar. Aquelas paredes estavam sempre mofadas. Manchas escuras se esgueiravam do teto, como veias. Imaginar a podridão debaixo daquelas manchas me dava arrepios.

A porta de entrada era de metal e vidro. Um vidro frágil que, em alguns lugares, estava rachando. Vez ou outra, algo os acertava e seu Silva precisava trocar. O metal também era tingido de verde, um pouco mais escuro que o verde das paredes. E também descascava, revelando o cinza escuro debaixo das pequenas camadas de tinta que se soltavam. Algumas partes daquele metal eram avermelhadas pela ferrugem.

Dentro do bar, estavam várias mesas e cadeiras. Algumas feitas de madeira, outras feitas de metal e um balcão com a caixa registradora e alguns bancos mais altos à sua frente. Haviam prateleiras cheias de diversos tipos de bebidas alcóolicas atrás do balcão. Uma portinhola de metal dava para a cozinha, onde estava um fogão antigo, balcões, uma pia velha e armários de madeira.

Observei a chuva batendo contra o vidro. Traguei o cigarro que acendi e fumei lentamente. Há algum tempo, uma sensação estranha tomava o meu peito. Sentia medo de alguma coisa. Não sabia exatamente do quê. Eu não era medroso. Nunca fui. Até diziam que eu era descuidado demais. Entretanto, aquela aflição era o suficiente para me fazer sentir medo de levantar da cama. E lá estava eu, sentindo medo de ir embora.

O cigarro logo virou uma bituca afundada no cinzeiro. Eu realmente precisava ir e isso me assustava. Entretanto, meu pai já devia estar ficando preocupado.

Peguei o molho de chaves, que estava pendurado num prego na parede, andei até a porta, saí e a tranquei, sentindo a chuva fria me molhar. Encolhi dentro do casaco cinza. Aquele casaco era do meu pai. Tinha uma numeração muito maior do que o meu tamanho. As mangas ficavam folgadas e cobriam as minhas mãos. A cada dia que passava, eu sentia meu corpo mais magro e eu ficava ainda menor dentro daquele agasalho.

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Corri até a estação e esperei o último ônibus passar. Além de mim, só um homem de meia idade aguardava naquele lugar ermo.

Poucos minutos depois de eu chegar ali, uma viatura passou, rondando a rua. Após ela virar a esquina, tudo ficou em silêncio mais uma vez. Apenas a chuva fazia algum som ali.

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