O Viajante - Capítulo LXIII - Isabelle - Maio de 1973

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Eu não dormi bem naquela noite. O medo, de que a polícia aparecesse, me atingia e me fazia revirar na cama.

Sem sono, vários pensamentos me vieram. Se tudo desse certo, eu iria fugir logo, e muitas coisas ficariam para trás.

Pensei no Eduardo. A última vez que nos vimos foi péssima, eu saí, do seu apartamento, sem olhar para trás. Fui medrosa e nem mesmo coloquei um ponto final em nossa história.

E havia uma questão com o Wolfgang. Eu estava magoada com ele e pensar que eu, ao partir, eu nunca mais o veria vivo, fez as minhas lágrimas escorrerem.

Não era justo. Nem um pouco justo. Ele era tão jovem. Tão amado.

Contive os soluços e afundei meu rosto no travesseiro, como se minhas lágrimas pudessem secar.

Eu também não queria deixar o Levi sozinho. Queria ajudar o Mikael a proteger sua família.

Além disso, eu não era capaz de aceitar o destino de Catarina e sua esposa, a injustiça estava gritando nos meus ouvidos.

Fiquei deitada até as lágrimas findarem e, com a cabeça doendo, precisei levantar para beber água.

Fui até à cozinha e encontrei os gatinhos dormindo na caixa em que Levi os resgatou. Eles acordaram com o meu movimento e miaram para mim. Agachei, diante dos pequenos, e acariciei, cada um deles, com os dedos. O gato cinza e gordinho era o Rato, seu irmão mais magro, o Ratinho e o de pelos preto e branco era o Rateco. Levi que os nomeou, dizia que pareciam ratos.

Sentei no chão e brinquei com eles até voltarem a dormir. Bebi a água e, em passos lentos, comecei o percurso de volta.

Na metade do caminho, passei pela mesa de telefone, na sala. Vi uma agenda com uma caneta ao lado, as peguei, voltei à cozinha e me sentei à mesa.

As lembranças, do Eduardo, fluíram como as águas de um rio. Meus olhos voltaram a encher de lágrimas, porém, meu coração não se aqueceu.

Talvez eu já não o amasse tanto, ainda que a saudade doesse.

Coloquei a ponta da caneta do papel e comecei a escrever.

"Edu,

Sinto muito por ter sido tão covarde com você. Fugi muitas vezes e destruí a possibilidade de um adeus decente. Eu estou indo embora da cidade, você deve imaginar o motivo. Nossa história foi bonita, mas não deu para continuar. Espero que você seja feliz e eu também vou tentar ser. Não quero que haja mágoa entre nós, apesar de tudo, vou levar só lembranças felizes no meu coração.

Com carinho,

Belle."

Com o rosto banhado pelo choro, retornei ao quarto e guardei a carta em um envelope, junto de nossas fotos e o relicário que Eduardo me deu.

O sono me derrubou depois disso, como se as palavras escritas curassem o peso no meu peito.
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Fiquei sozinha, na casa do Levi, no dia seguinte. Lurdes me fez companhia, por algumas horas, e eu a ajudei a fazer um bolo. A doce vizinha do meu amigo disse que iria ficar com o Rateco quando ele ficasse maior, o que me deixou feliz. Ela cuidaria bem do gatinho.

No meio da tarde, fui surpreendida por Levi, que chegou sem mais nem menos. Era seu horário de trabalho, aquilo não fazia sentido.

Ele estava suado, com os olhos inchados e a barba desgrenhada. Os hematomas na sua face se tornavam mais evidentes por conta do abatimento. O mecânico não parecia bem.

- Levi, o que aconteceu? - Indaguei conforme ele entrava na sala de estar.

- Me demiti, princesa. - O rapaz esfregou o rosto suado e se jogou no sofá em que eu estava sentada.

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