O Viajante - Capítulo II - Wolfgang - Janeiro de 1973

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Acordei, pela manhã, atordoado. Tudo o que aconteceu no dia anterior fez minha cabeça zunir. Após tomar um banho frio, olhei-me no espelho e vi as olheiras evidentes enquanto fazia a barba - se é que aqueles fiapos esparsos podiam ser chamados de barba. Analisei minha face após raspar aquela barbicha mal crescida. Minha pele era muito pálida e, com exceção a isso, eu não tinha quase nada do meu pai. Havia herdado os cabelos da minha mãe. As madeixas eram negras, assim como os meus olhos.

Após fazer a barba, penteei aqueles cabelos. Eram volumosos, eu os usava grandes, até os ombros. Mesmo após eu passar o pente algumas vezes, os fios continuaram a ter um aspecto bagunçado.

Não fui capaz de despertar por completo da sonolência. O cheiro de café misturado com cigarro dominava a casa. Andei até à cozinha e encontrei Wilhelm sentado à mesa. Ele bebia café e lia jornal. Metade de um cigarro apagado jazia no cinzeiro. Sentei-me à mesa.

— Bom dia, pai. — Minha voz saiu preguiçosa.

— Bom dia. — Seus olhos cansados foram até mim. Servi-me do café com dificuldade pelas mãos feridas. — As mãos tão doendo?

— Não. — Tomei um gole do café. Estava terrivelmente amargo. — Acabou o açúcar?

— Não. — Wilhelm franziu o cenho. — Tá muito amargo?

— Porra! Demais.

— Olha a boca. — Reclamou. Uma reclamação automática, sem peso. Wilhelm sempre dizia isso quando eu falava algum palavrão. Era quase um rito. — Acho que coloquei pouco açúcar.

— Tá certo. Café tem que ser amargo como a vida, né, seu Wilhelm? — Falei de maneira jocosa. Ao menos, havia conseguido recuperar o meu humor. Meu pai esboçou uma ameaça de sorriso breve e voltou os olhos para o jornal.

O silêncio imperou por algum tempo. Wilhelm se levantou, levou sua louça para a pia e caminhou até a cadeira que eu estava sentado, parando ao lado dela. Sua mão tocou o meu ombro.

Fitei-o.

— Wolfgang… — Sua voz estava mais séria que o habitual. — Presta atenção no que vou te falar. Eu não quero mais saber dessas suas brigas na rua, entendeu?

— Sim, pai. — Respondi após engolir o café com pressa. Meu pai tirou a mão do meu ombro, mas permaneceu parado e me olhando.

— Você já é homem. Não dá pra continuar agindo igual aquele rapaz arruaceiro do colégio.

— Eu vou… Me controlar. — Em todos os sentidos, eu era uma criatura anormal. Mas tentaria honrar esse compromisso.

—  Eu tô indo trabalhar. — Wilhelm disse após assentir à minha promessa. — Até mais tarde, rapaz. — Ele costumava me chamar de “rapaz” quando sua voz se tornava mais afável. Essa era uma maneira do meu pai demonstrar afeto.

Não tardou para eu mesmo precisar ir trabalhar. Assim que cheguei no bar, o Silva já gritou ordens para fazer café.

Ignorei os gritos dele. Tirei o maço de cigarro do meu bolso, peguei um cigarro, acendi e o traguei, recostando-me no balcão.

— Tá surdo, Grilo? — Silva gritou de maneira estridente. Ele me chamava de Grilo por eu ser magrelo e por ele achar o meu nome muito difícil de falar. A bem da verdade, a maioria das pessoas achava isso. Não era interessante ter um nome germânico no Brasil.

— Porra, Silva. Dá um tempo.

— Tá querendo ir pra rua? — Alberto Silva gargalhou alto. Eu trabalhava ali desde os 14 anos, o chefe e eu já tínhamos nos acostumado com os maneirismos um do outro. Além disso, ele era amigo do meu pai. Me conhecia desde criança.

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