O Viajante - Capítulo XLIII - Wolfgang - Maio de 1973

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Meus olhos ainda estavam fitando o céu que cintilava em verde-esmeralda. Eu tinha acabado de chegar em casa após o enterro da mãe do Levi.

O Mikael me acompanhou, estávamos parados diante do portão, do lado de fora, quando entramos no mundo nebuloso maldito.

— Que merda… — Era uma péssima hora para aquele inferno começar. Todos estávamos cansados, o Levi tinha acabado de enterrar a mãe e sabe-se lá o que aconteceu com a Isabelle.

Notei que algo atraiu a atenção do Mikael. Seus olhos foram até a minúscula varanda e eu segui seu olhar.

Vi aquela mulher de costas, com seus volumosos cabelos negros descendo, até as omoplatas, em suas ondas desajeitadas.

Fui vencido pelo choro naquele instante.

— Mãe. — Chamei-a e senti os olhos assustados do enfermeiro sobre mim.

Ela se virou em nossa direção. Uma pontada de sofrimento atravessou o meu peito ao perceber que o nariz da Rosa estava sangrando. Minha versão bebê estava em seu braços. Eu entreguei a criança a ela na primeira vez que a vi e minha mãe estava no mesmo lugar que esteve naquela ocasião.

Cheguei à conclusão que tinham se passado apenas alguns minutos desde a última vez que eu estive ali.

— Wolfgang. — Minha mãe falou com seriedade em sua voz embargada. As lágrimas dela se misturavam ao seu sangue naquele pranto doloroso. — Não esquece que eu te amo. Nunca.

Meu choro ficou tão intenso a ponto de eu soluçar e tremer.

Uma silhueta saiu pela porta vermelha da casa e pensei estar louco quando a identifiquei.

Era a minha mãe. Haviam duas delas ali.

— Mãe, o que é isso? — Indaguei assustado.

Minha pele arrepiou ao presenciar aquela cena e meu coração pareceu se chocar contra o meu tórax perante o susto.

O Mikael se aproximou de mim e eu o olhei com o canto dos olhos, notando seu semblante apavorado. Em um reflexo, segurei o pulso dele, ignorando o fato de minha mãe estar olhando.

— Mãe. — Chamei mais uma vez.

Nenhuma delas respondeu. A versão da minha mãe, que segurava a criança nos braços, estava com o rosto completamente sujo. Os feixes de sangue estavam mais grossos e banhavam uma trilha rubra entre as narinas e o queixo.

Vi mais uma Rosa sair pela porta. E mais outra, seguida de mais uma e outra…

Até o mundo voltar ao normal e todas desaparecerem.

Eu permaneci paralisado, sem conseguir reagir ao que assisti. Minha mão ainda apertava o pulso do Mikael e, por mais que eu quisesse o soltar, afinal, estávamos em público, eu não conseguia.

O ar que descia até os meus pulmões pareciam comprimidos pela minha garganta e todo o calor desapareceu do meu sangue.

O que eu sentia era o mais puro e concreto terror.

— Wolfgang. — A voz do Mikael chegou aos meus ouvidos.

Fiz um enorme esforço para virar o meu rosto e o olhar.

— Vem. — Ele acenou com a cabeça em direção à minha casa.

Assenti com dificuldade, soltei seu pulso e atravessei o portão. Precisei me esforçar para me mexer e, ao caminhar, eu mal senti o chão debaixo dos meus pés. Meus pensamentos estavam distantes e, em minha cabeça, só se ouvia o uivo do medo.

Ao entrar em casa, fui direto para a cozinha.

Eu precisava tomar um copo de água para tentar apaziguar o terror que me consumiu. E o Mikael também.

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