Estávamos sentados à mesa. Aquela cafeteria também era um lugar de gente fina, tal qual o Café Dinamarca. Senti-me deslocado mais uma vez. Isabelle combinava com cafeterias por ser altiva e bem vestida, assim como o Mikael.Bebi mais um gole de água. A casa servia água gelada em uma elegante jarra de vidro. Minhas mãos ainda estavam frias do susto que levei com o tiro do revólver que a Isabelle estava carregando.
Mikael e eu olhávamos para os olhos da mulher após contarmos tudo o que aconteceu até chegarmos ali. Desde o incidente no ônibus, até o desmaio, os sonhos, os vultos e, finalmente, o dia que Mikael e eu visitamos aquela rua.
O enfermeiro me ajudou a contar a história. Quando eu falava muito, principalmente se fosse de forma agitada, minhas costelas doíam. Eu tinha fraturado duas delas do lado direito e sofrido uma tal concussão na cabeça, o que me rendia fortes dores na região acima dos meus olhos.
— Se eu não tivesse visto tudo aquilo, eu não iria acreditar em nada disso. — Por fim ela disse, olhando-nos por debaixo da lente de seus óculos.
— Mas você viu. — Rebati. Mikael encheu o copo dele com um pouco mais de água e encarou Isabelle em silêncio.
— É, eu vi… — Ela estava fumando, com o cigarro entre os dedos, assim como eu. Apenas Mikael não fumava naquela mesa. — Eu… Tô sem saber o que dizer.
— Eu também achei que tinha ficado louco. — Contei.
— Eu também… — O loiro disse após beber toda a água do seu copo.
Isabelle esfregou a ponta dos dedos na própria têmpora.
— Porra… — Ela murmurou. — Tá, se eu entendi direito, você vê três pares de vultos, é isso, Wolfgang? — Os olhos dela foram até os meus. Assenti à pergunta. — Se cada par é uma só pessoa em idades diferentes, então falta achar mais um. Três pares, três pessoas. Quem tá faltando deve ser aquele moleque que esbarrou em mim.
— Sim. A gente não sabe quem ele é. — Mikael respondeu.
— Aquele rapaz que a gente viu tava usando o uniforme do internato Santa Maria. Isso pode ser uma pista. — Isabelle afundou a bituca do cigarro no cinzeiro.— Nunca ouvi falar desse lugar… — Comentei.
— É um internato pra menores infratores. — O enfermeiro falou.
— Seu terceiro fantasma é um vândalo feito vocês dois. — Havia um escárnio na voz de Isabelle.
— Quem tá armada aqui é você. — Retruquei. Senti olhares de censura de Mikael e de Isabelle sobre mim.
— Fala baixo! — Ela disse entre dentes.
— Ninguém ouviu nada, Isabelle. — Mikael disse de antemão e me olhou com o canto dos olhos.
Ela suspirou.
— Olha, eu tenho meus motivos pra querer ser uma pessoa discreta. — A mulher apoiou o cotovelo na mesa e sua bochecha na palma da mão. — Acho que vocês precisam saber disso.
Houve silêncio. Senti alguma dificuldade em entender exatamente o peso daquelas palavras. Encarei o Mikael de soslaio, como se esperasse qualquer tipo de confirmação de que, de fato, havia algo terrivelmente perigoso no alerta dela. Mas tudo o que recebi foi um olhar tão confuso quanto o meu próprio.
— Você… — Meus lábios doeram. Eu estava os mordendo. — Fez alguma coisa errada? — Indaguei em um sussurro. Esforcei-me ao máximo para não acabar falando alto demais.
Isabelle não me respondeu de imediato.
— Errada não. Só… — Ela negou com a cabeça. — O que você fez mesmo pra levar uma senhora surra da polícia?
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Filhos da Entropia
Mystery / ThrillerNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...