O Viajante - Capítulo XIX - Levi - Março de 1973

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Com a chave de fenda, eu removi os parafusos que prendiam o carburador no motor daquele Chevette. Eu precisaria limpar aquela merda e consertar o vazamento. Claro que o seu Jorge deixou todo o trabalho para mim.

O sol do meio-dia rachava na minha cabeça. Eu estava suado como um porco. A minha camisa estava molhada de suor, principalmente no suvaco e eu estava sujo de graxa.

- Levi. - Ouvi a voz do patrão e me virei em direção a ele, tirando os olhos do motor do Chevette preto. - O Gonçalo quer o Chevette pronto pra hoje.

- Vou tentar terminar. Mas o Fusca do Milton tá me enchendo o saco.

- Problema seu, malandro. Resolve essa merda de Chevette pra hoje. - Jorge me olhou com aquela cara inchada e vermelha. O filho da puta sabia que eu não tinha como arrumar outro trabalho e fazia questão de me chamar de "malandro" por causa do meu passado no crime.

- Tá, chefia. - Respondi. Era a única alternativa que eu tinha.

O patrão assentiu e foi embora. Ele nunca mais fez o trabalho pesado depois que me contratou. Um ex-presidiário tentando uma vida honesta parecia um bom negócio.

Tentei não pensar no lado ruim da situação. Ao menos, eu estava ganhando meu salário todo mês, sem atraso e vivia uma vida honesta. Tereza tinha orgulho de mim e eu conseguia comprar os remédios dela. Aquilo era tudo o que importava.

E eu ainda tinha a Lurdes para me ajudar. A vida não estava tão ruim assim.

Passei a tarde toda limpando o carburador, consertando o vazamento dele e trocando as mangueiras. Não tive tempo para almoçar e meu estômago estava roncando.

Porém, quando Jorge chegou às 4 da tarde, o Chevette do Gonçalo estava pronto.
-

No início da noite, fui para casa. Fiz o velho caminho de sempre. Quando cheguei, minha mãe e Lurdes estavam na cozinha, fofocando. Assim que Tereza ouviu meus passos, virou o rosto em minha direção. Seu rosto estava cada dia mais magro e menor. Ela estava sentada à mesa, em sua cadeira de rodas.

A vizinha estava cozinhando, na beira do fogão. O cheiro da comida fez meu estômago roncar. Eu estava morto de fome.

- Como foi o trabalho, Levi? - A voz fraca da Tereza indagou.

- Tranquilo. - Respondi o que sempre dizia. Lurdes me olhou por cima do ombro.

- Tô fazendo uma macarronada boa. - A mulher forte falou.

- Isso aí. A dona Tereza tá precisando comer. E aí, se comportou hoje, mãe?

- Que nada. Queria, por tudo, andar sozinha. - Lurdes respondeu antes dela.

- Você é muito intrometida, Lurdes. - Tereza rebateu.

- Para de ficar dando trabalho pra coitada da Lurdes. - Resmunguei. Minha mãe parecia não ter noção nenhuma da própria saúde. Ela já caiu várias vezes e, em todas, se machucou feio.

- Vão cuidar da vida de vocês. Não tô pedindo ajuda de ninguém. - A velha Tereza sempre foi difícil. Eu tinha a quem puxar.

- Deixa disso, Terezinha. - A vizinha disse com seu habitual bom humor. Nunca conheci uma pessoa tão boa quanto a Lurdes. - Fala pro Levi da moça.

- Que moça? - Perguntei. Meu coração acelerou no peito ao me recordar, bruscamente, da Isabelle. Ela era linda, corajosa e inteligente. Não conseguia me esquecer dos seus olhos concentrados enquanto dirigia para levar o Grilo para o hospital.

- Uma moça ligou procurando você. - Minha mãe contou. - Tinha uma voz bonita. Como era mesmo o nome dela, Lurdes?

- Isabelle.

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