O despertador tocou e ainda estava escuro. Um breu tomava conta do quarto. Custei a abrir meus olhos. Ter que voltar para oficina, depois do bem bom da folga do carnaval, era uma tortura. Tudo o que eu queria era dormir uma hora a mais, só uma única hora.
Com muito esforço, levantei-me da cama. O meu quarto era um ovo. Tinha um formato quadrado, com a cama encostada na parede direita, um armário encostado na parede esquerda e um fino corredor formado pelo espaço entre a cama e o armário. O despertador ficava numa cadeira ao lado da cama, eu a improvisei para ser uma mesa de cabeceira.
Saí pela porta do quarto, fui até o banheiro e tomei um banho frio. Tentei arrancar a preguiça de mim enquanto esfregava o meu corpo com o sabonete. Não adiantou nada, eu ainda queria voltar a dormir.
Voltei ao quarto, enrolado na toalha, e lá vesti a primeira roupa que achei no guarda-roupa. Era uma camisa amarela, com botões e mangas curtas. Estava velha e tinha uma estampa chamativa de listras alaranjadas. Vesti minha calça jeans surrada e calcei os sapatos. Eu não era uma cara bonitão e bem arrumado, mas eu não me importava com isso.
Fui até a pequena cozinha e preparei um forte café, talvez isso me ajudasse a acordar. Haviam alguns pães dormidos do dia anterior. Coloquei, sobre a mesa, o bule, duas xícaras e uma cesta com os pães.
Andei até o quarto em que minha mãe dormia e acendi a luz. Tereza abriu os olhos assim que entrei. Seu rosto era magrelo, as maçãs do rosto estavam marcadas e os dentes, por baixo da pele, faziam volume. O couro estava colado aos ossos, o corpo estava castigada por algumas manchas escurecidas e seus cabelos escuros e encaracolados ganhavam muitos fios brancos. Ainda assim, os cabelos continuavam bonitos, com seus caracóis cheios, como quando ela era mais nova.
O quarto da minha mãe era uma suíte, com uma cama de casal, uma mesinha que servia como altar em um canto, com a imagem Nossa Senhora sobre ela, e um guarda roupa grande, desses de mulher, que tem um espelho no meio para ficarem bonitas.
Fui até a cadeira de rodas, que estava encostada na parede, perto da porta e a levei para o lado da cama. Peguei minha mãe em meus braços e a coloquei sobre a cadeira. A mulher estava tão leve que pensei que poderia a levantar com um braço só.
— Eu consigo fazer isso sozinha, Levi. — Tereza resmungou com a voz fraca.
— Você vai se quebrar toda se continuar nessa teimosia. — Eu não era a pessoa mais paciente do mundo, mas me importava com minha mãe. Ela era a única pessoa pela qual valia a pena lutar.
— Você é muito grosso comigo...— Resmungou mais uma vez enquanto eu empurrava a cadeira de rodas em direção ao banheiro.
— Quer mijar? — Perguntei, ignorando a reclamação para não perder a paciência.
— Que palavra feia.
— Quer mijar ou não?
— Quero. — Disse sem jeito, movendo o braço com dificuldade até a cabeça. Seus dedos retorcidos foram até os próprios cabelos e ela colocou alguns fios atrás da orelha. — Mas eu vou sozinha.
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Filhos da Entropia
Mistério / SuspenseNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...