O Viajante - Capítulo XV - Levi - Março de 1973

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O despertador tocou e ainda estava escuro

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O despertador tocou e ainda estava escuro. Um breu tomava conta do quarto. Custei a abrir meus olhos. Ter que voltar para oficina, depois do bem bom da folga do carnaval, era uma tortura. Tudo o que eu queria era dormir uma hora a mais, só uma única hora.

Com muito esforço, levantei-me da cama. O meu quarto era um ovo. Tinha um formato quadrado, com a cama encostada na parede direita, um armário encostado na parede esquerda e um fino corredor formado pelo espaço entre a cama e o armário. O despertador ficava numa cadeira ao lado da cama, eu a improvisei para ser uma mesa de cabeceira.

Saí pela porta do quarto, fui até o banheiro e tomei um banho frio. Tentei arrancar a preguiça de mim enquanto esfregava o meu corpo com o sabonete. Não adiantou nada, eu ainda queria voltar a dormir.

Voltei ao quarto, enrolado na toalha, e lá vesti a primeira roupa que achei no guarda-roupa. Era uma camisa amarela, com botões e mangas curtas. Estava velha e tinha uma estampa chamativa de listras alaranjadas. Vesti minha calça jeans surrada e calcei os sapatos. Eu não era uma cara bonitão e bem arrumado, mas eu não me importava com isso.

Fui até a pequena cozinha e preparei um forte café, talvez isso me ajudasse a acordar. Haviam alguns pães dormidos do dia anterior. Coloquei, sobre a mesa, o bule, duas xícaras e uma cesta com os pães.

Andei até o quarto em que minha mãe dormia e acendi a luz. Tereza abriu os olhos assim que entrei. Seu rosto era magrelo, as maçãs do rosto estavam marcadas e os dentes, por baixo da pele, faziam volume. O couro estava colado aos ossos, o corpo estava castigada por algumas manchas escurecidas e seus cabelos escuros e encaracolados ganhavam muitos fios brancos. Ainda assim, os cabelos continuavam bonitos, com seus caracóis cheios, como quando ela era mais nova.

O quarto da minha mãe era uma suíte, com uma cama de casal, uma mesinha que servia como altar em um canto, com a imagem Nossa Senhora sobre ela, e um guarda roupa grande, desses de mulher, que tem um espelho no meio para ficarem bonitas.

Fui até a cadeira de rodas, que estava encostada na parede, perto da porta e a levei para o lado da cama. Peguei minha mãe em meus braços e a coloquei sobre a cadeira. A mulher estava tão leve que pensei que poderia a levantar com um braço só.

— Eu consigo fazer isso sozinha, Levi. — Tereza resmungou com a voz fraca.

— Você vai se quebrar toda se continuar nessa teimosia. — Eu não era a pessoa mais paciente do mundo, mas me importava com minha mãe. Ela era a única pessoa pela qual valia a pena lutar.

— Você é muito grosso comigo...— Resmungou mais uma vez enquanto eu empurrava a cadeira de rodas em direção ao banheiro.

— Quer mijar? — Perguntei, ignorando a reclamação para não perder a paciência.

— Que palavra feia.

— Quer mijar ou não?

— Quero. — Disse sem jeito, movendo o braço com dificuldade até a cabeça. Seus dedos retorcidos foram até os próprios cabelos e ela colocou alguns fios atrás da orelha. — Mas eu vou sozinha.

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