Passado, presente e futuro se misturavam em minha mente. Eu estava confuso e muito ferido. A memória da minha mãe, se desfazendo e virando pó, era uma merda de um parasita que se infiltrou em cada pedaço meu.
Parecia que eu estava submerso. Os ruídos estavam distantes e distorcidos, meus olhos captavam imagens embaçadas e eu mal sentia os pés tocando o chão.
E eu era asfixiado pelas lembranças, elas eram capazes de comprimir o meu sufocar os meus pulmões como a água faz com um afogado.
O pedido do Mikael, para eu eu fugisse, chegou em um sopro fugaz.
— Não dá pra te deixar sozinho... — Foi o que consegui responder.
Encarei o Levi. O que pude notar, em meio à visão embaçada e cinzenta, foram as lágrimas escorriam pela face ao mesmo tempo em que ele carregava fúria nos olhos.
O rapaz estava acabado, à beira de colapsar, assim como todos nós. Eu sabia que precisava o enfrentar, porém eu também me sentia mal por ter causado todo esse caos.
— Eu não sei como tirar a gente daqui. — Para falar aquilo, abri a boca e usei todo o meu fôlego. Porém, o que consegui foram sussurros apáticos.
A Isabelle segurou o braço do Levi para o impedir de avançar em minha direção. Ele a olhou de relance e relaxou o semblante quando ela o tocou.
— Calma! Brigar não vai ajudar a gente vai sair daqui. — Ela interviu.
— Porra, vai se foder, moleque! — O Levi gritou para mim. — Que porra é essa? Por que você começou essa merda? Para! Só tira todo mundo daqui!
Eu não soube o que responder e, no breve silêncio, me recordei da minha mãe se desfazendo em meus braços, com seus ossos se revelando debaixo da carne.
Não era hora de me afundar em lembranças, mas elas não iam embora. Eu queria parar de lembrar daquela merda de visão, queria esquecer.
— Foge... — Mikael suplicou e tocou o meu braço, o que fez eu me assustar e sair do espiral de lembranças horríveis.
Olhei-o com o canto dos olhos e fitei sua face machucada, com um corte no supercílio, nariz sangrando e um dos olhos roxo e inchado. Ele mantinha o braço, que Levi golpeara, encolhido contra o corpo.
Mikael era como um edifício que, mesmo naa ruínas, mantinha suas bases imponentes.
Doía vê-lo machucado e eu sofria, ainda mais, por saber que foi para me proteger. Ele não precisava fazer aquilo, a última coisa que eu queria era o machucar, mesmo que indiretamente.
— Não tá me ouvindo, porra? Tira a gente daqui! — Os gritos do mecânico ecoaram e eu os ouvi distantes, por mais que ele estivesse próximo.
— Eu te vi, ainda pequeno, na sua casa. E aquele merdinha disse que tava decidindo se ia matar a gente ou não! — Levi continuou.
Encarei o rapaz que gritava e, por mais que eu o enxergasse e o ouvisse, sua fúria não chegava até mim. Eu sentia meus braços e pernas como nuvens, que flutuavam, e a realidade palpável era feita das horríveis recordações da minha mãe.
Tentei desviar os pensamentos e me concentrar em responder algo ao Levi, mas era difícil.
A dor ardia no meu peito e eu já não suportava mais carregar essa lembrança. Meu estômago revirava, a todo tempo, e eu só não vomitava mais porque já não havia nada para ser expelido.
Meu corpo também não me obedecia totalmente, os braços e pernas estavam tremendo, de maneira tão violenta, que meus passos estavam trôpegos.
— ANDA, FAZ ALGUMA COISA! — Os gritos do Levi eram estrondosos.
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Filhos da Entropia
Misteri / ThrillerNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...