O Viajante - Capítulo LXI - Levi - Maio de 1973

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Um homem bêbado saiu da casa, andando aos tropeços. O desgraçado estava com um revólver na mão.

Eu não tinha nada para me defender, então precisei apelar para as ideias da minha época de moleque. Procurei, na calçada, alguma coisa que eu pudesse jogar no pai do Mikael.

Fiquei aliviado quando vi um pedaço de concreto na borda entre a rua e a calçada. Fui até ele e catei. Era pesado e renderia uma baita pancada.

Corri até o galã e me deparei com ele apontando o revólver em direção ao pai. A arma tremia em sua mão e eu já esperava a hora em que ela iria cair.

— Sabia... — O pai do Mikael falou com uma voz arrastada. — Eu sabia, seu merdinha.

Eu precisava fazer alguma coisa antes que algum deles atirasse e chamasse atenção dos vizinhos.

Estiquei o braço - em que a mão segurava o concreto -, enverguei o meu corpo para trás e então joguei minha munição improvisada no Isaac.

Acertei em cheio na cabeça do cara. Ele caiu no chão como um saco de esterco.

Mikael me olhou com o canto dos olhos e sorriu. Não era um sorriso feliz ou grato. Ele tinha um olhar perturbado, como quem sente dor.

Tive medo dele, por mais imbecil que isso parecesse.

— Cara, vamos embora. — Sussurrei com pressa.

O loiro negou com a cabeça e abriu o portão.

— Não. — Ele pareceu tão bêbado quanto o pai ao negar. — Ele vai acordar logo e vai ir atrás da gente...

— Porra, você tá maluco? — Perguntei.

O Mikael costumava ser sensato, mas agia como louco quando o assunto era proteger as pessoas amadas. Ele parecia um cão de guarda, daqueles que não latem e nem rosnam antes de atacar.

O rapaz não me respondeu e atravessou o portão. Eu poderia ir embora e deixar o maluco ali, mas não tive coragem. E se o pai dele acordasse? Fui eu que quebrei seu braço, eu que tirei sua capacidade de se defender.

Decidi seguir. Caminhamos, pelo jardim da casa, até alcançar o Isaac caído no chão e com a cabeça sangrando. O Mikael se ajoelhou diante dele e guardou o revólver da Isabelle na bolsa.

— Ele tá vivo. —  Sussurrou. Eu não sabia se ele tinha achado isso bom ou ruim, mas falou aquilo de um jeito infeliz.

— Ele vai acordar logo. — Avisei

Mikael tocou a arma, na mão do Isaac, para a tirar dele. Porém o homem abriu os olhos no mesmo instante.

Dei um pulo para trás, eu sabia que a situação iria feder. O enfermeiro arregalou os olhos e colocou força sobre a mão do pai.

— Eu vou matar você... — O mais velho falou. — Eu quero te ver morto, Mikael...

Conheci todo o tipo de gente na minha vida. Desde o pessoal da vizinhança, os moleques metidos à bandidos e os rapazes do reformatório. Poucos deles eram tão assustadores quanto o Isaac.

Ele ameaçava a vida do próprio filho com ódio na voz.

Em um reflexo, me agachei ao lado esquerdo do Mikael e segurei o antebraço do Isaac com as duas mãos, para não o deixar usar o revólver.

Ele me olhou com ódio e voltou a encarar o filho, enquanto se debatia para se soltar.

— Precisa de ajuda pra tudo mesmo. Você nunca fez nada direito, sempre foi um demente incapaz.  — A voz dele era carregada de nojo.

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