Acordei com o telefone tocando.
Pelo vidro da janela, vi que ainda estava escuro, era madrugada.
Uma ligação naquele horário não era boa coisa.
Levantei da cama, corri até à sala e atendi o telefone.
- Alô. Eu falo com o senhor Levi da Costa? - Uma voz de mulher falou do outro lado da linha.
- Alô. Ele mesmo.
- Aqui é do Hospital São Francisco de Assis...
Minha mãe morreu. Foi nítido, como se uma lâmpada tivesse acendido nas minhas ideias.
Só um imbecil para não perceber isso. Por que outro motivo o hospital ligaria de madrugada?
- Precisamos que o senhor venha até o hospital. - Ela continuou.
Não restavam dúvidas.
- Tá. - Só consegui responder isso e desliguei o telefone.
Não tinha nada na minha cabeça nem no meu coração.
Uma vez, no Santa Maria, três moleques arrebentaram a minha cara. Eu não senti nada na hora, só queria bater neles de volta.
Mas, à noite, quando deitei na cama para dormir, parecia que tinha alguém enfiando ferro em brasa no meu rosto.
Iria acontecer de novo. Eu não sentia porra nenhuma e nem mesmo pensava. Porém, uma hora isso passaria e eu iria sentir a dor de um ferro em brasa na minha carne.
Afinal, minha mãe morreu.
Morreu...
Repeti aquilo uma, duas, três vezes... E nada.
Me assustei com o toque do telefone que fez meus ouvidos doerem.
- Levi. - Ouvi ao atender. Era a voz da Isabelle. - O Mikael ligou do hospital e me avisou que você precisa ir pra lá agora.
- Minha mãe morreu. - Ainda não sentia nada.
- Eu tô indo pra aí. - Ela sabia. O Mikael, com certeza, contou.
A recordação de quando era um molequinho e resolvi jogar pedras das janelas dos vizinhos veio como um som de rádio na minha cabeça vazia.
Vi a minha velhinha, que era jovem nessa época, subindo a rua e me pegando pela orelha enquanto gritava comigo.
Tereza andava e tinha saúde quando isso aconteceu.
E eu ainda não sentia nada...
Minha cabeça estava tão vazia que demorei a notar que eu não podia ir para o hospital com aqueles trapos que eu usava para dormir.
Vesti minhas únicas calças e uma camisa qualquer e calcei os sapatos. Depois, tomei o resto de café que encontrei na cozinha.
Nada...
Eu não sentia nada.
Ouvi a Isabelle me chamar no portão e fui até lá e me deparei com aquele anjo parado ali, me esperando.
Vi que seus olhos, debaixo dos óculos, estavam cheios de lágrimas.
Saí pelo portão, ela me cumprimentou e entrou no carro. No momento em que puxei a maçaneta do passageiro, ouvi um barulho baixo vindo da calçada.
Olhei e vi uma gata cinza com uma ratazana morta na boca. Três gatinhos a seguiam. Dois eram cinza como ela e um era branco e preto.
Os pimpolhos miavam baixo atrás da mãe e corriam no ritmo apressado da gata.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Filhos da Entropia
Mystery / ThrillerNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...