Continuei sentado no chão da sala depois do Wolfgang se levantar e ir tomar um banho.
Meu braço doía muito, em pulsações que pareciam agulhas geladas perfurando a minha pele.
Era difícil digerir tudo o que aconteceu. Minha mente estava enevoada, sem conseguir acessar direito os pensamentos e as lembranças.
Nesse vazio, percebi que já havia passado um bom tempo desde que o Wolfgang foi ao banheiro. Levando em conta tudo o que aconteceu, eu senti medo que algo tivesse acontecido com ele.
Levantei, fui até a porta do banheiro e bati nela.
— Wolfgang? — Chamei.
Não houve resposta. O chuveiro estava ligado e, pensando na possibilidade dele não ter me ouvido, bati com mais força.
— Wolfgang, você tá bem?
Sem resposta.
Meu estômago gelou, toquei a maçaneta da porta e tomei coragem para a abrir.
Me deparei com ele, ainda vestido, debaixo do chuveiro. Os cabelos, encharcados, cobriam o rosto. O casaco pesava para baixo por conta da água. Os seus pés eram a única parte despida do seu corpo e, ao lado deles, haviam pequenas poças de sangue misturada com água, que escorreu de suas roupas.
— O que aconteceu? — Perguntei, assustado. E, mais uma vez, ele não respondeu.
Fui até o chuveiro e o desliguei. Meus pés empoeirados trouxeram barro às poças de sangue e o chão ficou imundo.
Eu só conseguia usar a mão esquerda, portanto meus movimentos estavam lentos. Ela foi até o rosto do Wolfgang e afastou os cabelos de sua face. Encontrei seus olhos perdidos repletos de horror.
O Wolfgang recostou na parede e deslizou até o chão, sentando-se e eu me agachei na frente dele.
— Mikael. — Ele sussurrou meu nome. — Eu não consigo sair daqui.
— Você tá se sentindo mal?
— Não. Eu só quero tirar o que eu fiz da minha cabeça e limpar esse sangue, mas ele não sai.
O Wolfgang estava estranho e seus olhos permaneciam distantes. Tudo o que ele viu o quebrou até à alma.
— Eu fiz tanta merda! — Ele arregalou os olhos e me olhou. — Eu tentei matar a Isabelle e o Levi! Que porra foi essa? — E sua voz se elevou. — E eu... Me desculpa!
— Para! — Eu não queria ter dito nada, não me era comum ser alguém que deixava palavras escaparem, porém, naquela situação, elas vieram como vômito. — Chega, Wolfgang! — Acabei falando alto.
O olhar dele passou de horror à confusão.
— Você já pensou em como é assistir isso tudo? — Eu não conseguia parar de falar e nem mesmo falar mais baixo. — Te ver apanhar pro Levi e depois ver você decidir, sozinho, que vai se matar? E você ainda pediu pra eu não interferir quando o Levi te estrangulou na minha frente!
Minha visão ficou enevoada, porque eu comecei a chorar. Meu coração estava acelerado, meu rosto quente e a respiração ofegante.
— Você me faz te ver se destruir! E se fosse ao contrário? Você já pensou nisso?
Quando falei isso, o Wolfgang franziu a testa em uma expressão que eu não sabia dizer se era de raiva ou tristeza.
— Você não precisa ver, porra! Eu vou embora. — E cuspiu as palavras. Eu sabia que ele iria sair dali e não queria isso. Não queria o perder.
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Filhos da Entropia
Misteri / ThrillerNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...