O Viajante - Capítulo XIII - Isabelle - Março de 1973

74 22 245
                                    

Finalmente eu tinha conseguido escrever um texto digno sobre o meu pai. Li e reli os papéis, rasurei com uma caneta, sobre as letras datilografadas, os pequenos erros e, em minhas mãos, contemplei a matéria pronta.

Catarina iria gostar daquele texto. Era sucinto, mas capaz de contar toda a jornada do Álvaro da Silveira. Meu pai foi de um mero professor universitário a um homem perseguido pelo regime.

Guardei os papéis na pasta. O telefone tocou, tirando-me das divagações sobre o meu pai e o seu legado. Fui até à mesinha de canto e atendi o telefone.

— Oi, Belle. — Ao ouvir aquela voz, bufei, irritada.

— Oi, Eduardo. — O meu ex-namorado era o meu maior arrependimento. Jamais deveria ter namorado aquele rapaz. — O que foi dessa vez?

— Calma! Credo, sempre que tento falar com você, é assim.

— O que você quer?

— Quero ver você.

— Isso só vai trazer ainda mais dor pra nós dois.

— Você sabe que a gente precisa conversar direito. Vai fugir o resto da vida? — Aquilo era uma infeliz verdade. Eu terminei com ele em uma explosão de raiva e nunca mais conversamos de maneira funcional.

— Tá. A gente pode conversar. Mas depois, vai cada um pra um lado.

— Eu posso passar aí na sua casa? — Sua voz rouca indagou.

— Hoje eu tô ocupada. Amanhã à tarde você vem.

— Vai fazer o quê?

— Não te devo mais satisfação alguma, Eduardo. Tchau. — E desliguei o telefone. Eu já estava chorando quando coloquei o telefone no gancho. Sequei as lágrimas como se pudesse contê-las com os meus dedos.

Aquele pranto durou um bom tempo. Foi de lágrimas esparsas a um choro alto com soluços em questão de segundos. Eu ainda amava o Eduardo e não podia negar isso. Precisei esperar o pranto acabar para seguir o que eu tinha planejado para aquele dia. Fiquei mais de meia hora sentada no sofá tentando lutar contra as minhas lágrimas.

Quando consegui me levantar, fui até o banheiro e tomei um banho quente. Após o banho, diante do espelho do banheiro, cobri meus fios de cabelo com creme, os penteei cuidadosamente e os prendi em um rabo de cavalo baixo. Troquei os brincos de argolinhas douradas por um par de brincos de pérolas. Cobri a face marcada pelo pranto com maquiagem. Vesti a minha melhor camisa de algodão, ela era de um rosa suave e tinha uma textura macia. Trajei minha calça de linho branca e não passei batom nos lábios.

Queria parecer doce e roupas de cores escuras e uma maquiagem pesada não ajudariam a passar essa impressão. 

Peguei minha bolsa, sempre com o revólver dentro dela, e saí do apartamento. Desci as escadas e andei apressadamente até o meu Opala.

Fiz o trajeto enquanto pensava na conversa que eu teria como o Eduardo. Eu sentia falta dele. De vez em quando, questionava-me se tinha sido uma decisão sábia terminar o nosso namoro.

Neguei com a cabeça. Ele fizera coisas que eu não podia relevar. Eu tinha que ser firme em minha decisão, embora o meu maior desejo fosse me jogar nos braços dele.

Cheguei até aquele quarteirão isolado. Ele era cercado pela natureza, circundado por matagais. Dirigi até uma rua vazia, há alguns quilômetros do internato. Estacionei meu carro em ali e caminhei até o prédio da instituição. Ele tinha grandes muros brancos e um portão de metal cinza enorme com uma cruz de metal entalhada no meio.

Fui recebida por um homem forte e uniformizado. Anunciei que era uma jornalista e que buscava fazer uma reportagem sobre os jovens infratores que contribuíam para as ondas de vandalismo e debater a necessidade de leis mais rígidas - me senti particularmente repulsiva ao dizer aquelas palavras. Após o Ato Institucional 5, pedir por mais repressão, midiaticamente, soava-me como um crime. Mais repulsivo ainda foi o fato de que fui bem recebida ao contar essa mentira.

Filhos da EntropiaOnde histórias criam vida. Descubra agora