O Viajante - Capítulo LV - Wolfgang - ?

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Eu encarava o Mikael caído, com o rosto machucado e as mãos trêmulas, fincadas no chão áspero de concreto. Assisti suas tentativas falhas de se apoiar pelos braços, o que resultava em quedas.

Tudo ia ficar bem. Eu iria tirar nós dois dali, ele não precisava mais lutar.

O vento forte se acalmou e tornou brisa. Mesmo sendo arrastado, pelos cabelos, por Levi, eu senti paz.

Meus olhos pesaram, eu os fechei e perdi a consciência com a paz de quem adormece.
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Quando abri os olhos, me vi em meu quarto. Na cama, estava minha versão juvenil,  com 12 anos.
Pelas janelas, os feixes esverdeados iluminavam o quarto e os sons do guincho o preenchiam.

Porém, subitamente, o fulgor e o ruído desapareceram e tudo o que entrava, pela janela, era a luz do pálido sol da manhã.

Eu havia voltado para 1966, no dia em que iria acontecer o acidente.

O púbere Wolfgang estava sentado no leito e me encarava assustado, com os olhos arregalados e chorosos.

Ver meus próprios olhos, tão apavorados, me causou um pesar estranho. O último pedido da minha mãe, para eu me amar, foi como um sussurro vívido em meus ouvidos. Senti náusea ao pensar nele e tentei, com todas as forças, desviar os meus pensamentos.

— Que porra tá acontecendo? — O mais novo perguntou e se encolheu, colocando os joelhos contra o peito.

— Hoje você vai lá pro bairro da loja do Silva.

— Por quê?

— Você precisa salvar a vida de uma pessoa.

Ele franziu o cenho e seus olhos se distanciaram. Soube, naquele momento, que tudo o que eu sabia era compartilhado com minha versão mais jovem.

Eu tinha várias lembranças adormecidas que estavam surgindo em minha memória. Minhas recordações,  assim como o terrível limbo verde, não obedeciam uma ordem.

Tudo o que aconteceu e que iria acontecer era do meu conhecimento, eu só não sabia acessar. E, das vezes que tentava, minha saúde se desgastava mais e mais, a ponto de meu próprio cérebro colapsar em convulsões violentas.

— Eu não quero morrer. — Por fim, o moleque falou. — Se eu salvar alguém, eu vou morrer... Eu não quero!

— Você sabe que o Mikael vai ser importante pra você. — Rebati.

Ele fez uma expressão confusa. Eu não podia esperar que, aos 12 anos, fosse entender tudo o que eu sabia aos 19. De certo, minha contraparte, sabia apenas a lógica dos fatos: se eu salvasse vidas, morreria.

Porém, por conta de todas as atitudes dele, nas vezes que o encontrei, supus que ele não entendia as minhas razões para optar salvar as pessoas e nem mesmo se lembrava, com clareza, das coisas que vivi.

Aquele era o ponto de partida.

— Eu lembro dele... — O mais novo franziu a testa. — Mas é estranho, eu não conheço o Mikael. Eu não entendo...

— Uma hora você vai entender.

— Não! Eu não vou salvar ninguém!

—  Que merda! — O meu sangue ardeu e acabei gritando. — Como vai ser a nossa vida se a gente escolher não salvar ninguém?

O Wolfgang mais jovem abaixou os olhos e mordeu os lábios.

— Eu não sei, eu só... Fico triste de pensar nisso.

— É o que te espera: tristeza. É isso que você quer?

Ele negou com a cabeça e colocou o queixo entre os joelhos.

Filhos da EntropiaOnde histórias criam vida. Descubra agora