O Viajante - Capítulo XLII - Isabelle - Maio de 1973

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Segurei o Levi pelo braço e o guiei para dentro da sua casa e o Wolfgang e o Mikael me acompanharam.

Lurdes correu até nós para entender o que tinha acontecido, enquanto os visitantes nos olhavam com curiosidade ou reprovação.

— Eu não aguentei mais, Lurdinha. — Levi falou com uma voz fraca enquanto olhava para a amiga de sua mãe. — Essa gente toda… Eu fui pra cima deles…

— Meu bem, elas tão aqui pra prestar as condolências… — A mulher justificou, tocando o rosto do rapaz.

— Eles tavam falando merda pro Levi lá fora! — O Wolfgang interveio com uma voz sobressaltada, o que atraiu ainda mais atenção para nós.

— O que eles disseram? — Lurdes perguntou.

— Que eu matei… A minha mãe de desgosto. — Levi era um homem alto e forte. Ele sempre mantinha a voz firme, falava de um jeito bem humorado, ria alto e andava de peito aberto, sem demonstrar medo ou vergonha. Porém, naquele momento, ele estava encolhido e seus traços fortes eram convertidos em desespero.

Os olhos, levemente puxados e escuros, carregaram muito mais que tristeza. Eles brilhavam como se fossem colapsar.

— Que coisa horrível! — Lurdes falou tristemente.

— Dona Lurdes, vamos tirar essas pessoas da sala? — Sugeri.

— Como, minha flor? — Ao ouvir a pergunta, observei que as pessoas caminhavam entre a sala e a cozinha, carregando pedaços de um bolo e pães, que a doce amiga de Tereza fez para as receber com cortesia, e copos e xícaras com café.

— Vamos colocar a mesa com o bolo e o café lá na varanda. — Por fim, falei.

Lurdes me olhou confusa e o Mikael tomou a iniciativa de caminhar em direção à cozinha.

— Vem, me ajuda com a mesa, Wolfgang. — O loiro disse com pressa.

O mais baixo assentiu. Soltei o braço do Levi e corri para a cozinha, desviando daquela gente de olhos julgadores.

Os dois rapazes levaram a mesa de madeira para a varanda com alguma dificuldade por conta da quantidade de pessoas na casa. Eu fui atrás e, com a ajuda da Lurdes, levei as comidas e bebidas para fora.

Voltei para a sala de estar e me deparei com o Levi parado ao lado do caixão da mãe, acariciando o rosto dela por debaixo do véu.

Aos poucos, o cômodo foi esvaziando, até que só restou ali o Levi, a Lurdes, o  Mikael, o Wolfgang e eu.

As únicas pessoas que se importavam, de fato, com o filho que Tereza deixou.

Me permiti desabar em silêncio enquanto observava o Levi, quieto, envolvido em uma despedida derradeira.

Observá-lo me fez lembrar do último abraço que meu pai me deu antes de desaparecer.

Naquele dia, Álvaro tentou fingir alegria e disfarçar o medo, mas notei suas mãos tremendo. Ele me abraçou, beijou minha testa e saiu pela porta da nossa casa.

Nunca mais o vi.

Eu sabia que Levi e eu tínhamos em comum os corações estilhaçados.

O velório percorreu a madrugada toda.

O Mikael e o Wolfgang foram para casa perto da meia-noite e voltaram umas 5 horas da manhã.

Eu passei a noite ali, no sofá, sentada ao lado do Levi

Era curioso ver que as pessoas, que foram embora na noite anterior, voltaram para continuar acompanhando o funeral.

Quando o sol começou a raiar, o caixão foi levado em direção à igreja, Levi ajudou o carregar junto dos funcionários da funerária.

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