O Viajante - Capítulo LVII - Levi - Maio de 1973

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O breu parecia engolir todos nós. Estávamos jogados em algum canto perto de onde o Grilo morava.

Senti que merecia ficar ali. Uma coisa muito ruim estava gritando dentro do meu peito.

Olhei para o magrelo, todo ensanguentado, iluminado só pela lua. O Mikael o abraçava, mas consegui enxergar o brilho dos seus olhos chocados.

Procurei a Isabelle na escuridão e a vi abraçada aos joelhos e encolhida. Quando a fitei, me dei conta de tudo o que fiz.

Não existia perdão para mim, pois passei de todos os limites.

Eu virei um monstro. Um verme. Que porra eu pensei quando coloquei minhas mãos no pescoço do Grilo e o estrangulei?

A imagem dos seus olhos arregalados, com as veias saltadas, surgiu na minha cabeça e não quis ir embora.

— A gente tem que sair daqui. — Ouvi a Isabelle falar baixinho.

— É melhor a gente ir pra minha casa. — Mikael não tinha mais forças na voz. Ele continuava abraçado com o namorado, que não reagia. — Aqui não deve ser tão longe da casa do Wolfgang, então é perto da minha também.

A princesa assentiu e ficou de pé, mas eu não tive coragem de fazer o mesmo.

— Você não vem, Levi? — Sua voz doce perguntou.

Como eu iria para a casa de um cara que eu arrebentei, no soco, e tentei matar o namorado dele?

Só consegui negar com a cabeça. Eu nem tinha cara para continuar olhando para eles. Por mais que o magrelo tenha feito merda, eu fui cruel com ele e com o enfermeiro antes disso.

O rosto do Mikael estava machucado, todo imundo de sangue e seu braço direito, provavelmente, estava quebrado. Eu não conseguia me esquecer de como ele gritou quando bati naquele braço.

Que porra tinha virado?

— Você não pode ficar aqui. — A jornalista contestou. Mesmo naquela situação, ele ainda era mandona. — Esse lugar é escuro, deve ser perigoso, e você tá todo machucado.

Não consegui responder de imediato. Franzi a testa e precisei me esforçar para pensar em uma resposta. Para piorar, minha cara estava doendo, principalmente no nariz e era difícil pensar com dor.

— Eu... Fiz muita coisa errada, Isabelle. — Falei o que minha cabeça conseguiu formar.

— Levi...

— Eu vou pra casa de um cara que eu bati... Que eu estrangulei o namorado? — Perguntei.

E todo mundo ficou quieto.

Percebi que o Grilo se afastou do enfermeiro e se aproximou de mim. Ele estava andando de um jeito estranho, como um bêbado. Um cheiro, de sangue seco, vinha dele e isso me matava de remorso.

— Eu tentei matar você uns três dias depois da sua mãe morrer, porra. — E a voz do magrelo parecia de alguém doente, sem força para falar. — Você é o único que tava certo sobre mim.

— Wolfgang... — O Mikael ia falar algo, mas se calou.

— E você ainda tá constrangido? — O Grilo continuou.

Que filho da puta. Eu sabia o que ele estava tentando fazer. Queria que eu tivesse raiva dele porque se julgava tão baixo a ponto de só merecer isso.

— Moleque, isso não vai funcionar comigo. — O meu constrangimento aumentou. Ele ainda tentava se redimir. Mesmo depois de ter sujado das mãos de sangue. Mesmo depois de eu ter batido no amor da sua vida e o estrangulado, pronto para matá-lo. — Eu já fiz o que você tá fazendo. Já me senti um bosta do mesmo jeito que você tá se sentindo.

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