Eu comecei a ter dores de cabeça. Elas eram rápidas e sempre que viam, o mundo ao meu redor mudava, virando aquele conhecido caos misterioso de luz esverdeada.
Era uma tarde de domingo e eu estava na casa do Levi junto do Mikael e da Isabelle. Desde que a mãe do mecânico foi para o hospital, nós três passávamos todos os dias na casa dele para ajudar ou só ver como ele estava. Além disso, Isabelle oferecia caronas para o hospital.
Tinha se passado pouco mais de uma semana que a Tereza estava internada. Permanecia estável, pelo o que o Mikael dizia. Porém, ainda estava intubada.
Um silêncio triste pairava entre nós. Ninguém entendia o motivo daqueles segundos misteriosos em que o mundo mudava e virava um caos nebuloso e o Levi estava arrasado pelo estado de saúde da mãe, o que deixava o Mikael, a Isabelle e eu preocupados.
E eu também estava sofrendo por causa da minha mãe. Desde que a vi, não consegui mais parar de pensar nela e tudo o que pode ter acontecido com a Rosa.
Atrelado aos pensamentos da figura materna, estavam as preocupações com o meu pai. Eu sempre soube que ele foi incapaz de superar a ausência da esposa.
Wilhelm nunca se envolveu com nenhuma outra mulher, estava sempre triste e ainda guardava as coisas dela em baú dentro do seu guarda-roupa, no fundo do armário. Embora ele não usasse mais a aliança de casamento, as lembranças dela eram imaculadas.
E meu pai nunca falou da mulher além do necessário. A Rosa era um assunto proibido na minha casa.
— Se é você que inicia aquela coisa na rua 18, você deve ter a habilidade de abrir uma porta pra esse mundo esquisito, Wolfgang... — Isabelle falou sem muito ânimo. Estávamos falando sobre aquele assunto em ritmo lento, enquanto ouvíamos a narração do jogo do Corinthians contra o Ferroviária no rádio. — Bom, pelo menos eu acho que é uma espécie de mundo. Não dá pra tirar foto, o relógio para, ninguém vê, acontecem coisas que... Foram mudadas. É quase como uma espécie de limbo.
A jornalista estava sentada no sofá, ao lado do Levi, e eu no chão, próximo ao acolchoado, portanto olhei para cima para a encarar.
— Faz sentido. — Traguei o cigarro enquanto ouvia o narrador de futebol. Eu não era fã do esporte. Porém, se todos ali estavam torcendo para o Corinthians, eu também queria que o time ganhasse e o avanço do Ferroviária me deixava agitado.
— Quando der, a gente tem que ir de novo na rua 18. Deve ter mais alguma coisa importante por lá...
— Acho que a gente ainda não sabe quase nada sobre essa história... — O Mikael estava sentado em uma cadeira. Eu também estivera, a cadeira vazia ao lado dele denunciava isso, mas minha inquietação não permitiu ficar parado em um lugar só.
O narrador gritou "gol".
— Isso, caralho! — Levi falou de maneira estridente e eu me assustei.
Voltamos a ouvir o jogo em silêncio. Eu não compreendia completamente o jogo, mas se o Corinthians marcou um gol, estava à frente.
— Eu abro e fecho essa... Porta pra outro mundo. Mas eu não sei controlar essa merda. — Falei após vários minutos calado.
— A única coisa que você sente é a dor de cabeça? — Isabelle indagou.
— É...
— Lembra daquela vez você falou que pensou na sua mãe antes disso acontecer? — Mikael olhou para mim.
— Ainda acontece depois que eu penso nela. Mas esse... Limbo não aparece toda vez que penso na minha mãe. — Suspirei ao terminar de falar.
— Esquisito pra cacete, hein, Grilo? — Levi comentou sem me olhar. Ele estava abatido e mais magro. — Anda, Marco Antônio! Porra! — Gritou para o rádio.
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Filhos da Entropia
Misterio / SuspensoNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...