O Viajante - Capítulo XXXVII - Wolfgang - Maio de 1973

14 4 30
                                    

Eu comecei a ter dores de cabeça. Elas eram rápidas e sempre que viam, o mundo ao meu redor mudava, virando aquele conhecido caos misterioso de luz esverdeada. 

Era uma tarde de domingo e eu estava na casa do Levi junto do Mikael e da Isabelle. Desde que a mãe do mecânico foi para o hospital, nós três passávamos todos os dias na casa dele para ajudar ou só ver como ele estava. Além disso, Isabelle oferecia caronas para o hospital. 

Tinha se passado pouco mais de uma semana que a Tereza estava internada. Permanecia estável, pelo o que o Mikael dizia. Porém, ainda estava intubada.

Um silêncio triste pairava entre nós. Ninguém entendia o motivo daqueles segundos misteriosos em que o mundo mudava e virava um caos nebuloso e o Levi estava arrasado pelo estado de saúde da mãe, o que deixava o Mikael, a Isabelle e eu preocupados. 

E eu também estava sofrendo por causa da minha mãe. Desde que a vi, não consegui mais parar de pensar nela e tudo o que pode ter acontecido com a Rosa. 

Atrelado aos pensamentos da figura materna, estavam as preocupações com o meu pai. Eu sempre soube que ele foi incapaz de superar a ausência da esposa.

Wilhelm nunca se envolveu com nenhuma outra mulher, estava sempre triste e ainda guardava as coisas dela em baú dentro do seu guarda-roupa, no fundo do armário. Embora ele não usasse mais a aliança de casamento, as lembranças dela eram imaculadas. 

E meu pai nunca falou da mulher além do necessário. A Rosa era um assunto proibido na minha casa. 

— Se é você que inicia aquela coisa na rua 18, você deve ter a habilidade de abrir uma porta pra esse mundo esquisito, Wolfgang... — Isabelle falou sem muito ânimo. Estávamos falando sobre aquele assunto em ritmo lento, enquanto ouvíamos a narração do jogo do Corinthians contra o Ferroviária no rádio. — Bom, pelo menos eu acho que é uma espécie de mundo. Não dá pra tirar foto, o relógio para, ninguém vê, acontecem coisas que... Foram mudadas. É quase como uma espécie de limbo.

A jornalista estava sentada no sofá, ao lado do Levi, e eu no chão, próximo ao acolchoado, portanto olhei para cima para a encarar.

— Faz sentido. — Traguei o cigarro enquanto ouvia o narrador de futebol. Eu não era fã do esporte. Porém, se todos ali estavam torcendo para o Corinthians, eu também queria que o time ganhasse e o avanço do Ferroviária me deixava agitado. 

— Quando der, a gente tem que ir de novo na rua 18. Deve ter mais alguma coisa importante por lá...

— Acho que a gente ainda não sabe quase nada sobre essa história... — O Mikael estava sentado em uma cadeira. Eu também estivera, a cadeira vazia ao lado dele denunciava isso, mas minha inquietação não permitiu ficar parado em um lugar só. 

O narrador gritou "gol".

— Isso, caralho! — Levi falou de maneira estridente e eu me assustei.

Voltamos a ouvir o jogo em silêncio. Eu não compreendia completamente o jogo, mas se o Corinthians marcou um gol, estava à frente.

— Eu abro e fecho essa... Porta pra outro mundo. Mas eu não sei controlar essa merda. — Falei após vários minutos calado.

— A única coisa que você sente é a dor de cabeça? — Isabelle indagou. 

— É...

— Lembra daquela vez você falou que pensou na sua mãe antes disso acontecer? — Mikael olhou para mim.

— Ainda acontece depois que eu penso nela. Mas esse... Limbo não aparece toda vez que penso na minha mãe. — Suspirei ao terminar de falar. 

— Esquisito pra cacete, hein, Grilo? — Levi comentou sem me olhar. Ele estava abatido e mais magro. — Anda, Marco Antônio! Porra! — Gritou para o rádio.

Filhos da EntropiaOnde histórias criam vida. Descubra agora