Ainda era muito cedo quando acordei. Dormi mal na noite anterior, pensando em tudo o que vinha acontecendo.
A situação da minha mãe e do Samuel me atormentava e eu já estava decidido a ir na casa do Isaac, de madrugada, tirar os dois daquele lugar. Faria isso dali um ou dois dias.
Também havia o estado de saúde do Wolfgang, que me assustava a ponto dos meus pensamentos se bagunçarem em puro desespero.
Naquela manhã, estive em seu mundo enevoado e me perguntei se ele tinha visto mais alguma cena perturbadora, como aquela com várias versões de sua mãe.
Em meio às divagações, ouvi o Wolfgang me chamar no portão. Havíamos combinado de nos vermos antes dele ir trabalhar.
Saí pela porta da casa e, assim que o fitei, não consegui evitar de sorrir. Os seus cabelos estavam sendo soprados pelo vento frio daquela manhã e o rapaz lutava para os afastar do rosto, causando um mau humor nítido em seus olhos. Seus trejeitos e gestos me aqueciam em ternura e eu gostava de os observar.
A pressa do tempo curto que tínhamos me despertou, mas eu poderia passar horas só o olhando e sentindo um amor genuíno e intenso por sua figura.
Abri o portão para ele entrar, caminhamos juntos até a casa e, assim que fechei a porta da frente, senti os lábios do Wolfgang contra os meus.
O seu beijo foi breve. Quando nos distanciamos, toquei sua face e beijei sua fronte, sentindo os seus cabelos bagunçados contra meu rosto. Eles emanavam um cheiro de shampoo.
— Você tá bem? — Indaguei em seguida, e toquei a minha testa contra a dele. Os rostos permaneceram próximos.
— Eu fui pra aquela merda de novo.
— Eu fui junto e, com certeza, o Levi e a Isabelle também foram.
— A minha versão, ainda moleque, apareceu no meu quarto.
Meu estômago gelou, eu estava com muito medo de um desfecho ruim para o Wolfgang, ainda mais depois do que o doutor Antônio falou.
— E ele disse alguma coisa?
— Nada. Só tava chorando…. Muito… — Os olhos do Wolfgang pareceram perdidos e se encheram de lágrimas.
A ideia de algo ruim acontecer com ele era inaceitável, eu faria de tudo para impedir, independente do preço.
Eu não soube o que dizer, embora estivesse disposto a fazer qualquer coisa para o proteger de um futuro cruel, via-me impotente diante daquela situação.
Com a distância curta entre nossas faces, encostei meus lábios contra sua bochecha, nariz e, mais uma vez, a testa. Depois, o abracei como se isso pudesse o salvar, ainda que por meros instantes. Os braços do Wolfgang envolveram minha cintura e me apertaram, deduzi que ele também estava com medo.
Ficamos alguns segundos abraçados e em silêncio, apenas sentindo o reconfortante calor um do outro.
— Já tá ficando tarde, eu tenho que ir trabalhar. — O rapaz falou ao se afastar. — O Silva vai me encher o saco porque eu faltei anteontem e ontem.
Assenti enquanto a preocupação me corroía. Trocamos um beijo antes dele ir, saímos da casa e o acompanhei até o portão. Após uma despedida triste, eu o vi se afastar até sumir no horizonte e uma sensação opressiva me sufocou.
Eu não queria o perder.
—Pouco depois do Wolfgang ir embora da minha casa, os céus foram cobertos pelo brilho verde e o mundo ficou enevoado mais uma vez. O ruído agudo sobressaltou meus sentidos e eu senti medo de ter acontecido alguma com o meu namorado.
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Filhos da Entropia
Mystery / ThrillerNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...