O Viajante - Capítulo XLVI - Mikael - Maio de 1973

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Ainda era muito cedo quando acordei. Dormi mal na noite anterior, pensando em tudo o que vinha acontecendo.

A situação da minha mãe e do Samuel me atormentava e eu já estava decidido a ir na casa do Isaac, de madrugada, tirar os dois daquele lugar. Faria isso dali um ou dois dias.

Também havia o estado de saúde do Wolfgang, que me assustava a ponto dos meus pensamentos se bagunçarem em puro desespero.

Naquela manhã, estive em seu mundo enevoado e me perguntei se ele tinha visto mais alguma cena perturbadora, como aquela com várias versões de sua mãe.

Em meio às divagações, ouvi o Wolfgang me chamar no portão. Havíamos combinado de nos vermos antes dele ir trabalhar.

Saí pela porta da casa e, assim que o fitei, não consegui evitar de sorrir. Os seus cabelos estavam sendo soprados pelo vento frio daquela manhã e o rapaz lutava para os afastar do rosto, causando um mau humor nítido em seus olhos. Seus trejeitos e gestos me aqueciam em ternura e eu gostava de os observar.

A pressa do tempo curto que tínhamos me despertou, mas eu poderia passar horas só o olhando e sentindo um amor genuíno e intenso por sua figura.

Abri o portão para ele entrar, caminhamos juntos até a casa e, assim que fechei a porta da frente, senti os lábios do Wolfgang  contra os meus.

O seu beijo foi breve. Quando nos distanciamos, toquei sua face e beijei sua fronte, sentindo os seus cabelos bagunçados contra meu rosto. Eles emanavam um cheiro de shampoo.

— Você tá bem? — Indaguei em seguida, e toquei a minha testa contra a dele. Os rostos permaneceram próximos.

— Eu fui pra aquela merda de novo.

— Eu fui junto e, com certeza, o Levi e a Isabelle também foram.

— A minha versão, ainda moleque, apareceu no meu quarto.

Meu estômago gelou, eu estava com muito medo de um desfecho ruim para o Wolfgang, ainda mais depois do que o doutor Antônio falou.

— E ele disse alguma coisa?

— Nada. Só tava chorando…. Muito… — Os olhos do Wolfgang pareceram perdidos e se encheram de lágrimas.

A ideia de algo ruim acontecer com ele era inaceitável, eu faria de tudo para impedir, independente do preço.

Eu não soube o que dizer, embora estivesse disposto a fazer qualquer coisa para o proteger de um futuro cruel, via-me impotente diante daquela situação.

Com a distância curta entre nossas faces, encostei meus lábios contra sua bochecha, nariz e, mais uma vez, a testa. Depois, o abracei como se isso pudesse o salvar, ainda que por meros instantes. Os braços do Wolfgang envolveram minha cintura e me apertaram, deduzi que ele também estava com medo.

Ficamos alguns segundos abraçados e em silêncio, apenas sentindo o reconfortante calor um do outro.

— Já tá ficando tarde, eu tenho que ir trabalhar. — O rapaz falou ao se afastar. — O Silva vai me encher o saco porque eu faltei anteontem e ontem.

Assenti enquanto a preocupação me corroía. Trocamos um beijo antes dele ir, saímos da casa e o acompanhei até o portão. Após uma  despedida triste, eu o vi se afastar até sumir no horizonte e uma sensação opressiva me sufocou.

Eu não queria o perder.

Pouco depois do Wolfgang ir embora da minha casa, os céus foram cobertos pelo brilho verde e o mundo ficou enevoado mais uma vez. O ruído agudo sobressaltou meus sentidos e eu senti medo de ter acontecido alguma com o meu namorado.

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