A ida ao São Francisco de Assis foi péssima. Era a terceira vez que eu aparecia arrebentado. Doutor Antônio sabia que tinha algo errado e me alertou para que eu não aparecesse assim de novo, pois estava causando uma impressão ruim ao hospital.
Recebi pontos no supercílio, ganhei um afastamento de um mês por conta da luxação no cotovelo e precisei engessar o braço. Não era tempo suficiente para me recuperar, mas eu não tinha escolha. Se eu não obedecesse, seria demitido e não conseguiria manter uma vida digna para o Samuel e a minha mãe.
Quando me lembrava de tudo o que estava acontecendo, me sentia sendo soterrado por pedras em um abismo. Eu não era capaz de digerir o caos ao meu redor e, por mais que eu tentasse, não podia fugir dele.
Naquela ida ao hospital, tive um lampejo de vontade de pegar algum sedativo na farmácia para apagar por horas, em um profundo sono sem sonhos. Porém, isso me faria quebrar todas as minhas promessas.
---Dediquei a minha tarde para comprar lençóis e dois colchões novos e os transportar até à casa. Precisei da ajuda do vendedor da loja de móveis para isso devido ao meu braço. Acabei por gastar o restante do meu dinheiro guardado com essas aquisições e isso me preocupou.
No início da noite, o Wolfgang chegou em minha casa. Ele tinha me pedido para não me preocupar e confiar nele e assim eu fiz.
O rapaz parecia agitado e falava rapidamente, atropelando as palavras. Chamei para irmos até o quarto, e, ao chegar lá, nos sentamos na beira do meu colchão velho. Eu pedi para que ele respirasse fundo e devagar.
— Eu fui na casa do Levi e falei com ele e com a Isabelle... — Contou após se tranquilizar. — Ela fez um plano pra hoje à noite.
Senti um acalento junto da aflição. O Wolfgang me trazia uma tranquilidade indescritível, porém a ameaça de Isaac não a permitia ficar.
Se tudo desse errado e aquele verme ferisse ele, o Samuel ou minha mãe, eu não seria capaz de responder por mim.
Era um fato que o patriarca viria atrás de nós e eu devia estar preparado para o momento em que isso acontecesse. Não era possível ter paz enquanto se esperava a guerra.
— Ela e o Levi vão passar aqui mais tarde. — O Wolfgang continuou. — E explicar pra você o que a gente tem que fazer.
Minhas mãos estavam geladas e sentia o suor se acumular debaixo do gesso em meu braço.
Estava muito perto do momento em que eu tiraria minha família da mão do meu genitor desgraçado. Cada descuido aumentava o risco das pessoas que eu amava se ferirem.
Ao mesmo tempo, se tudo desse certo, eu poderia trazer dias tranquilos para a Sara e, principalmente, para o Samuel. Ele era só uma criança e merecia paz.
— Obrigado por ter feito isso por mim, Wolfgang. — Agradeci o Wolfgang, toquei o seu queixo e depositei um beijo em seus lábios.
— Eu falei pra confiar em mim. — Retrucou com orgulho e esboçou um sorriso triste, que eu retribuí.
— Eu sempre confiei em você. — Meu sorriso se intensificou e o afeto me consumiu.
Acariciei os cabelos dele e beijei sua testa, no que o Wolfgang tocou o meu rosto, com ambas as mãos, e me beijou até que nosso fôlego findasse.
Minha mão foi até sua nuca e o puxei para perto, seus braços envolveram os meus ombros e ele encaixou seus lábios calorosos no meus de novo.
Com cuidado, o rapaz de cabelos negros se sentou no meu colo, evitando esbarrar no braço engessado. Sua boca foi até o meu pescoço e o ar quente, de sua respiração, tocou a minha pele, que se arrepiou.
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Filhos da Entropia
Misteri / ThrillerNo ano 1973, vivendo na época da Ditadura Militar, Wolfgang era um jovem brasileiro pobre, gay, filho de um imigrante austríaco, órfã de mãe e sem quase nenhuma perspectiva de vida. Trabalhando em um bar péssimo, ele vai vivendo os dias entre incont...