Eu voltei pra minha casa. Entrei pelos portões de ferro fundido e Thor já vinha até mim solicitando atenção. Peguei-o no colo e segui pelo pequeno jardim frontal, entrei pela porta de madeira entalhada e não soltei o felino.
Ao menos alguém sentiu minha falta.
Me joguei no sofá e fiquei ali por um longo tempo. Através das muitas janelas da sala eu podia ver a vegetação do lado de fora. O céu estava nublado e ranzinza, assim como eu estava.
Olhei as paredes cobertas de fotografias. Muitas ali foram feitas pelo Daniel. Havia várias imagens de nós dois juntos, uma única imagem da minha mãe, muitas fotos de Lari em todas as fases de crescimento e nenhuma do meu pai.
Eu morava numa casa antiga, cercada por um jardim suntuoso. A construção que preservava o estilo colonial era relativamente simples, contava com dois dormitórios, uma cozinha ampla decorada de azulejos coloridos e antigos e a maior parte dos ambientes era enriquecida pela iluminação natural vinda das muitas janelas que cortavam as paredes livres. O piso de tacos escovados deixava o ambiente aconchegante e os muitos tapetes e plantas que compunham a decoração eram um convite de boas-vindas para qualquer um que tivesse a chance de penetrar meu espaço.
Mas ninguém iria até ali. O lugar era harmonioso e receptivo, mas não recebia ninguém porque eu não deixava ninguém entrar. Fora para Daniel, Lari e Daiane, nunca abri meu espaço. Eu criei um santuário para me sentir protegido do mundo e afastei o mundo de mim. Aos poucos, a consciência de que eu estava sozinho pesou como uma bigorna sobre meu peito.
Eu peguei meu celular e dei um giro na minha lista de contatos. Não havia nada ali que merecesse ou quisesse minha atenção. Eram contatos de trabalho, alguns poucos "ficantes" que acumulei nos últimos anos. A maior parte deles já tinha seguido em frente e provavelmente nem se lembrava mais de mim. Havia o Pedro, mas eu não poderia olhar nos olhos dele depois de tê-lo usado para entreter meu irmão. Não mais.
Não havia o contato do Diego.
Não sei por que não tive coragem de pedir a ele. Talvez eu esperasse que ele me desse seu número voluntariamente. Eu já tinha tomado todas as iniciativas e não queria ser invasivo demais. Não queria cruzar uma linha proibida sem ser convidado.
Eu não me sentia mais seguro a esse ponto.
Abri meu MacBook e acessei os e-mails. Eu precisava fazer isso. Precisava checar os emails do Daniel, por mais que isso me corroesse por dentro. Eu acessei a plataforma e fui conferindo o feed de mensagens. Nada muito importante, nada que merecesse uma atenção maior. Eram assuntos de trabalho então encaminhei as mensagens mais importantes para o meu contato, depois criei uma saudação automática informando que infelizmente Daniel Palermo não mais poderia atender aos assuntos da SD Palermo porque, devido a uma fatalidade, não mais comporia o quadro societário da empresa. Escrevi que todos lamentávamos o ocorrido e finalizei dizendo que ele sempre estaria entre nós, eternizado pelas impressões que registrou enquanto vivo, e que compunham nossas paredes, nossos books, nossos álbuns e nossas memórias.
Quando terminei de digitar, notei minhas mãos tremendo. Meu peito doía e a sensação de pulmões cheios de água fez meus olhos arderem. Fechei o notebook e agarrei Thor que, irritado por se sentir preso, arranhou meu braço e fugiu.
Olhei para as marcas das unhas e para o sangue. Teria que lavar com sabão e talvez cobrir com um band aid. Queria que minha dor fosse fácil assim de curar, mas não era. Eu estava sozinho e precisava de alguém, mas não havia mais ninguém.
Tentei ligar para a Daiane. Talvez a raiva tenha diminuído e ela me atendesse depois de tantos dias. Talvez percebesse que não precisava me rechaçar ou me culpar.
Ela não atendeu.
Imaginei que devia ser muito difícil para ela ter que lidar comigo. Eu era a imagem perfeita de Daniel, e era o seu oposto imperfeito. Eu era o espelho do que ela amava, mas refletia o que ela mais odiava. Eu mesmo não iria querer lidar comigo. Ela tinha todo o direito e motivo de me afastar e afastar Lari de mim porque eu imaginava que, para uma menina de cinco anos, seria traumático ter que lidar com a imagem do próprio pai sabendo que ele na verdade estava morto.
Isto posto, eu estava só. Abandonado, esquecido e rejeitado até pelo meu próprio gato. Eu só tinha o Diego e, mesmo ele, eu não tinha. Não podia entrar em contato com ele e, mesmo que soubesse mais ou menos onde morava, não poderia fazer isso. Não poderia impor minha presença sobre ele, muito menos fazê-lo se sentir obrigado a me aturar. Eu não conseguiria lidar com a rejeição dele se isso ocorresse.
Então eu abri o notebook de novo, acessei o canal erótico que representava a ponte que nos conectava, e esperei.
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Do lado de cá (romance gay)
Short StoryConto erótico - GAY 🌈 Esse é um POV de outro conto já publicado e finalizado: DO LADO DE LÁ. Se quiser conferir, dê uma olhada aqui: https://www.wattpad.com/story/361329559-do-lado-de-lá. Se quiser pode começar por ele, ainda que sua leitura não se...