23 - Paralisia

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Eu vagava por uma névoa tranquila e aconchegante. Sentia paz e meu corpo descansava envolto por maciez e calor. Eu não queria mais sair dali, mas algo começou a agitar as águas por perto. Um tremor e um ruído agonizante rompeu o invólucro de serenidade e eu me vi puxado da bolha de algodão-doce para um ambiente frio e sombrio.

Meus olhos abriram e me vi num quarto desconhecido. Meu corpo nu estava colado a algo gelado, molhado e trêmulo, e eu quase caí da cama quando me dei conta de que a massa pegajosa que gemia era o próprio Diego.

Ele também estava nu e completamente esticado sobre o lençol. Seus membros estava tão tensos que pareciam prestes a se romper. Os dedos dos pés e das mãos estavam encolhidos e com os nós brancos, os músculos retesados e o rosto retorcido numa expressão de pavor e angústia. Uma camada generosa de suor escorria por toda a extensão dourada da pele exposta, e dos lábios semicerrados escapava um ruído constante e enforcado.

Me inclinei sobre ele, coloquei a mão em seu ombro e dei um leve chacoalhão. Ele parecia duro como pedra. As pálpebras estavam abaixadas mas não totalmente cerradas, e eu pude ver quando girou os olhos na minha direção sem contudo mexer o pescoço. Eu já tinha visto isso antes, há muitos anos, em um rapaz com quem saí algumas vezes.

– Hei, consegue me ouvir? Consegue se mexer?

Ele puxava o ar com dificuldade e isso era notório pelo tom azulado dos lábios. Comecei a me preocupar de verdade porque, mesmo quando testemunhei uma paralisia desse tipo, não me pareceu tão intensa como agora. Ele parecia ter acabado de sair de um temporal de tão molhado e o vão acima de sua clavícula encovava a cada tentativa de sugar o ar. Os olhos que me encaravam pareciam implorar por socorro.

– Sss-Sam... – ele tentava falar. Eu acabei me apavorando um pouco e o chacoalhei pelos dois ombros com mais firmeza na tentativa de trazê-lo de volta.

– Diego!

Eu praticamente gritei, e foi então que ele puxou todo o ar de uma vez e moveu as pernas e os braços ao mesmo tempo como se tivesse acabado de levar um choque. Ele deu uma joelhada no meu saco que quase me levou a óbito e eu soltei um palavrão. Quando o branco da dor se esvaneceu dos meus olhos, vi ele inclinado na lateral da cama vomitando no chão. Coloquei a mão em seu ombro escorregadio, seus cabelos estavam empapados e ele tremia dos pés à cabeça.

Sem olhar para mim, ele saltou da cama por cima da sujeira que acabara de fazer e se enfiou no banheiro. Demorou alguns segundos para eu reagir, então me vesti, fui até a cozinha e me muni de papel toalha e um saco de lixo, então fui limpar o vômito do chão.

Eu não me considerava uma dessas pessoas altruístas e desprendidas que ajudavam os outros e não se incomodavam em lidar com esse tipo de coisa, mas eu já tive que limpar minhas próprias porcarias da época que usava o que não devia, e também tinha um gato, portanto estava acostumado a lidar com fluidos nojentos. Quando ele finalmente saiu do banho, eu estava terminando de jogar a massa gosmenta no saco de lixo.

– Deixa isso aí! – ele resmungou.

– Sua Paralisia do Sono é frequente? – perguntei, ignorando a ordem.

– Tinha um tempo que não acontecia. É sério, Samuel. Deixa essa merda aí. Tá me constrangendo!

– Terminei – declarei enquanto fechava o saco de lixo. Fui até o banheiro me limpar e quando voltei, ele estava com uma cueca samba-canção, jogado no sofá como se estivesse se recuperando da pior ressaca do planeta. Sem muito alarde, fui até a cozinha e fiz um chá para ele. Quando coloquei a caneca em suas mãos, ele finalmente abriu os olhos e me fitou com uma ruga na testa.

– Eu vi uma caixinha de sachês na bancada. Imagino que você costume tomar. Eu não adocei. – Me justifiquei. Eu estava sem graça por ter mexido nas coisas dele, mas ele realmente parecia  precisar de ajuda.

– Obrigado – ele murmurou e sorveu um pouco do chá.

Fiquei um tempo por ali, esperando que ele dissesse qualquer coisa. Meu medo era que ele me mandasse embora e eu definitivamente queria ficar mais um pouco. Era cedo e faltavam algumas horas para eu começar meu expediente, eu tinha marcado uma reunião com parte do casting e alguns colaboradores para atualizar a equipe e traçar as próximas metas do estúdio em um projeto que estava em stand by, e portanto não poderia permanecer com Diego o resto do dia, ainda que cada célula do meu corpo implorasse por isso. Quando ele finamente abriu a boca, eu entendi que não poderia mesmo ir embora.

– Minha mãe tentou se matar, e me matar, quanto eu tinha 13 anos.

Do lado de cá (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora