27 - Desiludido

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Cheguei em casa e não consegui ficar de boa. Eu estava puto, magoado e desalentado. Tomei um banho para tirar o cheiro do Diego de mim, escovei meus dentes e joguei a camisa que ainda tinha resíduos do sêmen dele no lixo. Seria bom lavar tudo o que aconteceu, seria mais fácil se as coisas fossem simples assim. 

Cuidei do Thor, reguei as plantas, guardei algumas roupas e enfim, sentei no meu sofá para o meu último passatempo favorito: ficar olhando para o teto.

Estava cansado de ficar o tempo todo tão sensibilizado e triste. Eu queria encontrar um elemento motivador para seguir em frente depois da perda do meu irmão e, quando pensei ter encontrado... Bem, eu devia estar acostumado a me sentir mal assim, afinal, desilusão era o meu nome do meio. Todavia, era a primeira vez que eu vivenciava esse tipo específico de fossa.

A vida não foi fácil para mim. Eu me tornei bem sucedido, mas tive que ralar muito para isso. Eu não tive ajuda de ninguém para bancar meus estudos e me formar, muito menos para adquirir meu equipamento que só pude ir comprando aos poucos. Quando vim para a capital, comecei a trabalhar em eventos como garçom e ficava cercando as equipes de filmagem e fotografia com perguntas. Um velho amigo, dono de uma produtora, foi o único suporte que tive naquela época, quando ele viu meu interesse e me chamou para ajudar a equipe de foto e filmagem com o necessário, como carregar equipamentos, ajustar cenários e o que fosse preciso. Foi assim que comecei. O Adolfo, esse homem gentil que infelizmente faleceu há uns cinco anos, viu meu talento e passou a me ensinar tudo o que tinha para saber a respeito de captação e tratamento de imagem. Quando meu irmão veio para a capital morar comigo, começou a se aventurar com o meu equipamento e descobri que ele tinha ainda mais talento do que eu, o que não era de surpreender. 

Eu fui estudar e ele também. Ralamos para entrar numa universidade pública e fomos guardando o dinheiro dos trabalhos. Enquanto eu carregava cabos por aí, Daniel já estava conseguindo fotografar batizados, partos e casamentos.  Quando nos formamos, abrimos a SD Palermo e demorou um pouco, mas compusemos um casting de respeito e tínhamos contratos com várias agências. 

Tinha muito do que me orgulhar. Se me permitisse pensar, ainda que meu irmão não estivesse mais comigo, tive momentos tão bons com ele que poderia me considerar privilegiado por ter vivido os dias que vivi ao seu lado. Senti o mesmo em relação ao Diego. Me senti privilegiado por ter sido o primeiro homem que tocou aquele corpo. Me senti tão grato por ter sido o primeiro a lhe dar o prazer que ele buscava que,  por pouco, consegui que esse sentimento suplantasse a tristeza.

Mas não durou muito. Assim como a lembrança da perda do meu irmão esmagava a alegria que compartilhamos quando juntos, pensar em Diego me machucava, numa proporção diferente, mas machucava. Talvez pelo fato de ele ainda existir e ser possível alcançá-lo, ficava muito mais difícil de lidar com a situação. A pergunta dele ficava ricocheteando na minha cabeça, me tentando, me compelindo a aceitar nem que fosse só uma mordida, só o pedaço que ele pudesse me dar.

Mas eu estava com medo. Ficava imaginando ele com a noiva. Imaginei aquele corpo perfeito sendo explorado por uma mulher e não pude conter a onda de angústia que me assolou. Se isso era amar alguém, então eu precisava dizer: era uma merda! Eu odiei gostar de uma pessoa. Tirando tudo o que foi perfeito, era tudo muito ruim, e eu me senti completamente desequilibrado por pensar coisas tão dissonantes.

Por que fui jogar a porra do Percocet no vaso sanitário?

Fui até adega e pesquei uma das garrafas de vinho. Abri, despejei em uma taça e me deixei embalar pelo leve torpor do álcool. Eu queria esquecer. Eu queria voltar a ser como era antes. Eu queria ligar para o Pedro ou qualquer outro modelo do meu casting  que já tenha "traçado" e perguntar se queriam passar algum tempo comigo. Eu queria gozar sobre qualquer outro corpo aleatório, e talvez eu fizesse isso mesmo.

Eu poderia fechar meus olhos e imaginar, mas quando pensei melhor, de cara vi que não daria certo. Nenhum teria o cheiro dele, nem aquele cabelo ou aquela voz, tampouco o mesmo toque. Nenhum teria o mesmo sabor, muito menos a mesma essência. Nenhum seria o Diego, e eu estava definitivamente fodido por causa disso.



Do lado de cá (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora