4 - Um monstro

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Depois da minha estreia no mundo da foda digital, fiquei obcecado com o Josh. Nossas lives se tornaram meu novo vício. Nos últimos dois meses, eu frequentei o perfil dele e o chamava para privés ao menos duas vezes por semana, o que para mim era um alívio muito bem-vindo em meio ao caos dos últimos tempos. 

Entre tirar o Pedro do meu pé e gerir o mau-humor do Daniel, era imprescindível separar um pouco de tempo para o meu próprio prazer. Eu até consegui ficar tranquilo por aqueles dias e teria mantido a regularidade dos acessos ao canal erótico se dois acontecimentos não tivessem interferido nos meus planos. 

O primeiro fato ocorreu há duas semanas, quando eu supreendentemente vi Josh caminhando em carne e osso, bem diante dos meus olhos. Eu estava tomando um café numa padaria próxima ao meu trabalho quando o vi andando tranquilo pela calçada do outro lado da rua. Vê-lo tão próximo me chacoalhou como um terremoto. Senti meu coração saltar sem controle e as mãos suarem. Atribuí minha reação ao susto de ver um personagem fictício ganhando vida, o espectro das minhas últimas fantasias assumindo forma, e que forma!!! 

Ele era perfeito, muito mais bonito do que através de uma tela de laptop. Parecia mais alto, mais forte e mais dourado do que me lembrava. Vê-lo caminhando descontraído à luz do dia o tornou real, muito mais real do que deveria ser, e isso me deu medo. Ele desapareceu pelo portão do prédio em frente ao centro comercial onde ficava a padaria que eu costumava frequentar, e eu me perguntei como era possível uma coincidência dessa magnitude.

Paralelo a isso, havia Daniel e seus problemas emocionais. Eu não teria deixado de pensar em Josh, em mim mesmo e no meu próprio prazer se o quadro depressivo do meu irmão não tivesse se agravado. Nas últimas duas semanas ele se afastou de tudo e todos, e eu percebi que a coisa estava ainda pior quando Daiane me procurou para conversar.

– Não sei o que fazer com ele, Sam. Ele não quer conversar comigo e quando estamos juntos ele só faz dormir e dormir. Você pode levar ele para sair ou algo assim? A Lari fica me perguntando se o papai está doente, eu já esgotei minhas desculpas e estou cansada de mentir pra minha filha.

Naquela noite passei na casa do Daniel. Convenci ele a tomar um banho, colocar um jeans e uma camiseta limpa e aparei sua barba. Fomos até um bar na zona sul e pedimos algo para beber. Apenas depois da segunda cerveja ele finalmente olhou para mim.

– Por que você me trouxe aqui, afinal?

Eu suspirei. Já tive que fazer isso antes e nem por isso ficava mais fácil fazer agora.

– O Pedro está para chegar – respondi olhando para o relógio – vou te deixar aqui, você vai sair com ele e ele não vai saber que é você. 

– Sam! Não quero fazer isso de novo!

– Você precisa, Dani. Não posso te ver assim, não aguento mais te ver desse jeito.

– E você acha que fingir ser você e trepar com um cara vai curar minha cabeça fodida? Vai se ferrar, Sam!

– Só quero que você se esqueça do drama por um pouco de tempo, que curta uma noite bacana fazendo o que gosta sem ter que carregar o peso de ser uma coisa ou outra. Eu posso carregar isso pra você, não fica preocupado.

– Sam... você não pode continuar fazendo isso. Você não pode passar sua vida agindo como se fosse responsável ou culpado porque um grupo de moleques resolveu se divertir às minhas custas. Isso já tem quase 20 anos, por Deus!

– Se eu não fosse quem eu sou, se não fosse como sou... você não teria passado por aquilo.

– Não fala merda, caralho! Você é o meu irmão! É o meu exemplo! Você é tudo o que eu queria ser! Mas que inferno!

Ele estava puto, mas eu não ia me deixar levar.

– Estou indo embora. Quando o Pedro chegar você decide se quer tirar uma noite de folga e se divertir, ou ficar debaixo das cobertas sentindo pena de si mesmo. Aqui está o meu aparelho, você pode me devolver amanhã.

Com isso, deixei o bar. Deixei para trás o meu irmão e sua mente toda estragada por ter sofrido um estupro coletivo aos 15 anos. Deixei para trás a culpa por ter sido o responsável pelo ocorrido e a raiva por nunca ter pago o preço pelo que ele sofreu, um trauma tão definitivo que o impediu de aceitar quem sempre foi durante todos esses anos.

Eu era um monstro? Certamente. Mas ser um monstro que usava e manipulava as pessoas era o que me colocava no meu lugar, um lugar feio, sujo e vulgar do qual eu fazia parte e onde certamente merecia estar. 

Do lado de cá (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora