8 - Pulverizado

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— Havia um cara que tinha a vida perfeita. Ele tinha a garota perfeita, o emprego perfeito e a saúde perfeita. Tinha amigos, família e tudo o mais que torna alguém completo. Mas faltava alguma coisa.

Eu comecei a contar a história e Josh, ainda nervoso e afetado por algum motivo que só ele mesmo ou alguma entidade conhecia, me interrompeu.

— Esse cara hipotético seria você, Samuel?

— Apenas me escute um pouco. Fui bem generoso pagando você para me ouvir.

Eu comecei a ficar puto com o Josh. Eu queria gritar com ele que não, o cara não era eu! Eu jamais tive a garota perfeita, muito menos o garoto perfeito. Eu não tinha amigos, apenas casos fugazes. Eu tinha um emprego, mas jamais o levaria a cabo sozinho; e tive família, mas agora não tinha mais. Engoli o bolo que se formava em minha garganta e continuei falando com um Josh que queria tudo, menos me ouvir.

— Enfim... a vida dele foi permeada de vontades ocultas não correspondidas. Ele não conversava a respeito, também não ia atrás do que tinha vontade e isso virou uma bola de neve que começou a corroer suas relações.

— Já falou para ele do meu perfil? Posso ver se consigo ajudar o cara com suas "vontades ocultas".

Algo ruim cresceu dentro de mim com o sarcasmo gratuito. Sua postura me ofendia por razões que eu sequer entendia. Se eu não estivesse tão desesperado para conversar, teria mandado ele para a puta que o pariu! Sem me conter, destilei minhas próximas palavras.

— O que te faz pensar que é capaz de realizar os desejos ocultos de alguém? Por acaso consegue realizar os seus próprios?

— Eu estou aqui, não? O que te faz pensar que este não é meu desejo oculto?

— Está na cara que não é, Josh. Você não consegue esconder o que sente e tem muito mais essência do que um cara de cabeça vazia com um pênis bonito.

Meu intuito era ofendê-lo, não o elogiar, mas foi o que acabou acontecendo. E eu sequer sabia como chegara à conclusão de que ele era uma pessoa interessante. Talvez por ter reunido pedaços seus a cada live que fazíamos, ou porque para mim era imprescindível que ele fosse muito mais do que um garoto de programa, acabei enxergando isso nas entrelinhas. Eu precisava que ele fosse algo mais, que sentisse algo mais, e que o sentisse por mim. Como no momento o que ele parecia sentir era mágoa ou qualquer outra merda sem sentido, para mim servia. Era melhor do que a indiferença e a frieza que me sobrava.

— O que te faz pensar que me conhece, Samuel? Pelo que me lembro, você fez questão de deixar claro que não fazia ideia de quem eu era quando me viu há uma semana. Mas se quer conversar, eu estou aqui para ouvir enquanto fala de si mesmo como se fosse de outra pessoa.

Foi então que a ficha começou a cair. Quando entendi, o comportamento dele fez todo o sentido. Assim como há algumas semanas eu o tinha visto na padaria perto do estúdio, provavelmente ele viu Daniel lá. Daniel sempre tomava café da manhã naquela padaria e não seria de admirar que talvez tenham se encontrado por acaso. Eles deviam ter se visto e Daniel, sendo como era, fingiu que não conhecia Josh.

Um misto de sentimentos apertou meu peito. A constatação de que o desequilíbrio do meu irmão teve como gatilho esse suposto encontro me deixou angustiado, mas a reação emocional de Josh ao fato de ter sido ignorado por alguém que julgava ser eu me deixou ansioso, e uma farpa de outra emoção desconhecida esquentou minhas entranhas. Dei um suspiro e me recompus, só então mandei a bomba sobre a cabeça de Josh.

— Estou falando do meu irmão, Josh. Ele faleceu esta manhã. Há uma semana ele tentou o suicídio, passou os últimos dias em coma enquanto os médicos tentavam trazê-lo de volta, mas isso não foi possível.

Vi quando ele empalideceu. Ele ficou tão paralisado na tela que pensei que a internet tinha bugado. Em contrapartida, eu sentia meu peito como se estivesse se esfarelando e cada pedaço do meu coração ia sendo pulverizado no ar na medida em que eu percebia o peso do que acabara de professar. Falar em voz alta tornava real a devastação que aquela tragédia causava em mim.

Meu irmão estava morto.

Meu irmão gêmeo estava morto.

Eu não tinha mais ninguém. Ninguém, e estava tão solitário que meu único recurso era pagar para um cara me dar atenção pela internet.

Eu não sabia até quando poderia suportar isso.

— O que você realmente precisa que eu faça por você hoje, Samuel?

Ouvi Josh perguntar, e suas palavras perfuraram minha névoa mental. Ele me trouxe pro presente, para o gelo do fio da espada que me cortava ao meio, e me vi respondendo sem pensar.

— O que eu preciso, Josh, é que você esteja me esperando quando eu chegar na porta do seu prédio, em dez minutos.

E encerrei a chamada. Só depois que o fiz, me dei conta do que tinha acabado de dizer. Me levantei de um pulo e chamei um Uber. Eu não tinha mais para onde correr nem motivos para permanecer parado, e se eu tivesse mais alguma rejeição essa noite, provavelmente seria a última.

Do lado de cá (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora