Cheguei em casa e me joguei no sofá. Estava cansado, aborrecido e puto comigo mesmo por sempre recorrer ao caminho mais fácil. Pensei em entrar no site pornô e ver se Josh estava online, mas me contive. Thor, o meu imenso gato Maine Coon, como se pudesse sentir meu autodesprezo, subiu no meu colo e se enrolou para descansar. Fiquei um tempo com ele ali, aquecendo minha barriga e ressonando sob o carinho das minhas mãos.
Eu estava preocupado com o meu irmão. Quando ele conseguia dar uma "escapada" e passar um tempo na companhia de algum rapaz, ele ficava melhor por algum tempo. Por isso eu me submetia a esse joguinho sujo, pois sabia que ele nunca conseguiria tomar a iniciativa.
Sempre foi assim. Quando éramos adolescentes e sofríamos com o bullying na escola, fomos o apoio um do outro. Na época, eu me tornei um alvo da molecada sem noção simplesmente porque abri para uma garota que gostava de meninos. Ela, muito ofendida por ter sido rejeitada, espalhou o fato pela escola. Eu não me envergonhei disso, mas eu e o meu irmão passamos a ser atacados por causa do preconceito. Daniel nunca se assumiu, mas eu sabia que ele compartilhava dos mesmos interesses que eu. Ele arrumou uma namorada e fez de tudo para desaparecer do radar, mas eu nunca pude fazer isso. Eu nunca consegui. Talvez eu fosse muito fraco ou muito teimoso, o caso é que o fato de eu manter minha postura acabou prejudicando meu irmão.
"Farinha do mesmo saco". Era como nos definiam. Éramos iguais, então aos olhos obtusos daquela geração medíocre, fatalmente fazíamos as mesmas coisas. Quando fomos abordados no banheiro por aquele grupo de garotos encrenqueiros, pensaram que Daniel era eu, e eu era o Daniel. Pensaram que estavam violentando o "viadinho" assumido, e que o outro, o "enrustido", deveria ficar esperto para não acontecer o mesmo com ele.
Daniel nunca me culpou. Nunca me responsabilizou. Ele absorveu o trauma e, anos mais tarde, quando assumimos para a nossa família que tínhamos essa história em comum, fui acusado pelo meu pai de ser "uma bicha nojenta" que estragava o irmão. Eu era uma vergonha e o culpado por Daniel ter sido estuprado pois, para o meu pai, Daniel era um bom garoto porque nunca tivera esses pensamentos podres de mentes desviadas. Daniel não era como eu, um perdido, um safado sem-vergonha que não sabia o que era ser homem de verdade.
Para o meu pai, eu nunca fui homem de verdade.
Eu me rebelei. Assumi minha sexualidade e abandonei minha família. Minha mãe tentou se reaproximar depois de alguns anos mas foi por pouco tempo, até que um câncer a levou para sempre. Quando ela faleceu, Daniel deixou nossa cidade e veio morar comigo na capital. Ele já carregava o fardo de ter sido violado, de mentir para o meu pai e de sustentar a máscara do "filho perfeito".
Não demorou para ele quebrar. Ele me confessou uma noite que preferia estar morto a viver assim. Buscamos ajuda e ele começou a tratar a depressão, mas nunca foi muito dedicado. Quando ele começou a namorar a Daiane, eu o questionei e ele se voltou contra mim, me acusando de ser um mentiroso que fingia nunca ter sido atingido pelo nosso passado.
De fato, Daniel jamais saberia o que tudo aquilo significou para mim. Nunca me senti puro ao me relacionar com um homem. Como ativo, todas as vezes em que fiz sexo anal com um parceiro, eu estava intimamente me vingando dos garotos do banheiro. Havia uma escuridão dentro de mim que nunca via luz, e isso me impedia de encontrar qualquer sentimento bom ou duradouro em todos os relacionamentos que vivi.
Eu não encarava meus parceiros. Não podia olhar nos olhos deles enquanto transávamos porque vê-los sentir prazer era como reviver o contentamento que aqueles garotos sustentavam enquanto sepultavam a vida emocional do meu irmão gêmeo. Eu também nunca viveria tudo o que um relacionamento entre dois homens reservava porque nunca deixaria acontecer comigo o que houve com Daniel, então ainda que eu fosse homossexual assumido, jamais seria o passivo. Eu sempre seria o ativo, sempre, porque enquanto ativo, estaria no controle e poderia subjugar aqueles que tentavam me roubar a alma como fizeram com meu irmão.
Talvez eu nunca fosse assumir, mas eu era tão fodido emocionalmente quanto ele era.
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Do lado de cá (romance gay)
Short StoryConto erótico - GAY 🌈 Esse é um POV de outro conto já publicado e finalizado: DO LADO DE LÁ. Se quiser conferir, dê uma olhada aqui: https://www.wattpad.com/story/361329559-do-lado-de-lá. Se quiser pode começar por ele, ainda que sua leitura não se...