Epílogo

104 13 11
                                    


Dois anos depois...

Eu provavelmente estava com cara de idiota. Não conseguia evitar. Tudo nele era minúsculo e frágil. Ele era tão pequeno que cada pontinha dos dedinhos era menor do que um feijão.

– Tio, eu vou poder pegar ele no colo?

– Acho que não, Lari. Tem que esperar um pouco mais.

Diego gargalhou e segurou o braço da Lari.

– Não liga pro teu tio. Ele é meio bundão. Vem comigo.

Diego colocou minha sobrinha sentada numa poltrona e tirou o bebê do bercinho, depois acomodou-o no colo da garota que olhou para a criança, embevecida. Foi o único momento em que ela tirou os olhos do Diego por um pouco de tempo. Ela alimentava uma paixonite por ele que me divertia e irritava ao mesmo tempo.

– Como é o nome dele? – ela perguntou, sem tirar os olhos da criança que abria e fechava a boquinha como quem procura algo para chupar.

– Nicolas. – Laura respondeu da cama. Ela carregava um sorriso cansado e estava deslumbrante, como sempre.

Laura era a ex-noiva do Diego. Eu tive o privilégio de conhecê-la apenas seis meses depois que eu e ele oficializamos nossa relação. Ela de fato era uma mulher muito especial, e não era de admirar que Diego a amasse tanto. Eles teriam formado um lindo casal se ele não tivesse se descoberto gay.

Laura me recebeu muito bem e me agradeceu por ajudar o Diego a se encontrar. Fiquei admirado com o quão ela era forte e inteligente, e em pouco tempo, eu também a amava. Hoje somos todos amigos, muito amigos, somos o mais perto do que uma família devia ser.

Ela tinha acabado de trazer Nicolas ao mundo. Mãe solteira por opção, quando decidiu engravidar, nos procurou para compartilhar a ideia e até cogitou a possibilidade de usar nosso esperma para a concepção. Depois decidiu que não nos queria "atrapalhando" sua família, e optou por um banco de esperma anônimo.

Infelizmente ela não pôde se livrar de nós. Acabamos acompanhando de perto todo o processo com ela e hoje Nicolas tem dois pais e até uma priminha a tiracolo.

Me reconciliei com Daiane apenas um ano depois da tragédia. Eu a procurei um mês depois da morte e contei a verdade sobre o Daniel. Ela não aceitou nada bem na época e demorou muito para ela deixar curar a ferida que a verdade causou, e me perdoar por esconder isso por tanto tempo. A terapia a ajudou com o processo e finalmente, depois de tanta espera, eu pude me reconectar com a Lari, minha querida sobrinha.

E por falar em terapia, eu passei um período muito difícil nos meses que seguiram a perda do Daniel. Quando comecei minha relação com o Diego já havia mostras de um desequilíbrio emocional que só se agravou com o passar do tempo. Diego foi vital para me manter são durante aqueles meses, e sou grato por ele permanecer ao meu lado quando as coisas ficaram impossíveis de lidar.

Eu comecei um projeto recentemente. Quando eu e meu irmão nos formamos, tínhamos um sonho em comum de viajar pelo Brasil visitando as paisagens naturais e lugares onde as pessoas praticam esportes radicais. Queríamos fazer as captações a partir da ótica de quem estava no meio da aventura, ou seja, para tirar as fotos, teríamos que participar dos desafios. O projeto foi sendo empurrado até finalmente ser esquecido. Quando me reconciliei com a Daiane e fui visitá-la, ela me entregou uma caixa com pertences do Daniel, e entre os objetos pessoais e lembranças de nossa infância e juventude, encontrei um conjunto de fotografias que ele fez por conta própria praticando vários esportes radicais.

Chorei muito na época e o episódio me derrubou numa crise pesada que durou meses. Foi por aqueles dias que finalmente Diego aceitou vir morar comigo. Acho que ele ficou com medo de eu chegar num ponto sem volta e resolveu me acompanhar de perto. Ele é de longe o homem mais forte e mais humano que já conheci na minha vida. Com toda a história que ele viveu, era de admirar que ele não estivesse todo quebrado como eu. Confesso que se não fosse por ele, não sei onde eu estaria.

Ele me incentivou a terminar o projeto. Não havia fotografias suficientes para um livro, mas acabei me animando a terminar as captações e finalizar o trabalho em homenagem ao Daniel. Diego se comprometeu com a diagramação do livro e em breve eu farei minha primeira viagem para as Cataratas do Iguaçu com esse objetivo.

– Vai ficar só olhando? – Diego me desafiou. Ele estava ainda mais lindo do que antes. O cabelo passava dos ombros e estava preso num rabo de cavalo baixo. Eu dizia a ele que ele era a minha fantasia épica erótica, tipo um elfo tesudo que galopava pelas terras médias do Senhor dos Anéis. Ele ria e ameaçava cortar o cabelo se eu não parasse de puxá-los quando as coisas ficavam um pouco fora de controle.

– Não sei. Eu demorei um ano para pegar a Lari.

– Tá vendo, tio Diego? Por isso sou tão carente!

Diego riu e tirou o bebê do colo da garota.

– Não liga pra isso, Lari. Seu tio só precisa de um empurrão. – os olhos verdes captaram os meus do outro lado da cama. Respirei fundo quando o vi com a criança no colo. Minha garganta travou e eu me esforcei muito mesmo pra não fazer papel de idiota chorão. – Vem pro lado de cá! – ele convidou.

Dei a volta na cama e me coloquei de frente para ele. Ao meu lado estava a Lari esperando que eu pegasse o Nicolas no colo, então eu me armei de coragem e, depois de um sorriso de incentivo da Laura, estendi os braços para o Diego. Ele me passou a criança e eu vi que não adiantou nada me esforçar tanto para não chorar, pois quando peguei aquele pacotinho um pouco maior do que minha mão, as lágrimas desceram sem nenhum pudor.

Estávamos todos do mesmo lado dessa vez. Ninguém estava sozinho do outro lado. Eu tinha à minha frente o homem mais lindo do mundo, e todo o amor do mundo para dar e receber dele.

Eu não poderia estar mais feliz e mais completo.


-- FIM -- 



Do lado de cá (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora