CAPÍTULO 32 - FINAL

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Acordo com o cheiro característico de éter e substâncias químicas hospitalares roçando meu nariz. Abro os olhos rápido demais e minha cabeça lateja com o contraste das paredes insuportavelmente brancas e as luzes fluorescentes do teto.

À direita, um farfalhar de folhas chama a minha atenção.

Vovô está sentado numa poltrona velha de acompanhante com um rasgo no estofado marrom, segurando um livro que não consigo identificar, concentrado na página, óculos de leitura escorregando na ponte do nariz enrugado.

Suspiro, esticando o pescoço. O que foi que...

­­ — Que bom que acordou. Jenna disse que não deveria demorar muito, mas...

— O que aconteceu?

Voz rouca, garganta seca, quase me arrependo de falar. Dói um pouco. Vovô me olha com pena.

Ele sabe!, meu cérebro irrompe tão depressa que me encolho como se estivesse sendo esfaqueada pela agulha do soro enterrada no meu braço, lembrando de tudo.

— Onde... — Engulo um bolo na garganta. — Ele está?

Não preciso identificar a quem me refiro. Vovô sabe bem. Me lembro de ter contado a ele sobre a revelação mais assustadora da minha vida, então pirei e ele... Ele disse que sabia, que sempre soube. E no segundo seguinte puft, a luz apagou. Ficou tudo escuro e gelado.

— Ele já foi embora. Te deixou aqui com sua tia Jenna, que ligou para sua mãe e para mim. — Acompanho vovô largar o livro na mesinha ao lado da cama, descruzando as pernas e virando o corpo para mim, movimentos elegantes. — Sua mãe já estava preocupada por causa de uma ligação estranha e você não... atendia. Todos estávamos preocupados.

Não é comum ver vovô comedido, falando sério e sem seu tom jocoso habitual. Acho que poucas vezes na vida o vi assim. Exceto naquela época e quando a vovó nos deixou. Isso me deixa mais tensa, especialmente quando meu cérebro está experimentando a cacofonia aterrorizante de mil pássaros, revivendo a conversa ao telefone com mamãe mais cedo. Por que eu não sabia? Eu deveria ter procurado a garotinha depois daquilo, não deveria ter aceitado as respostas curtas e meias verdades da minha família. Eram claros sinais de alerta, mas fui covarde para ver além. No fundo eu sabia, sabia que algo estava terrivelmente errado e queria permanecer na ignorância, porque era mais confortável. Covarde.

Ele deve me odiar agora. Sou a última pessoa que Hardy quer ver no mundo. Caramba, até eu me odeio agora. Como pude ousar viver uma vida normal depois de tudo aquilo? Depois de ter mudado substancialmente a vida de tanta gente.

Devo ter fungado. Acho que estou chorando, porque vovô se levanta rapidamente e senta na beirada da cama, me envolvendo com seus braços quentes e seu cheiro de colônia e de canela, com cuidado para não puxar o acesso.

— Minha bambina. Não faça isso com você mesma.

Eu bufo contra a camisa de vovô, percebendo porque ele está aqui e não mamãe ou papai, sequer tia Jenna, que provavelmente me socorreu e trabalha neste hospital apareceu para me virar do avesso e descobrir o que há de errado com meu corpo perfeitamente saudável. Para pacificar a situação, concluo. Ter aquela conversa séria que com certeza seria mais confortável para mim com ele que com qualquer outro familiar. A essa altura, todos devem saber o que aconteceu depois da minha conversa com mamãe no telefone, porque descobri o que todos temiam. E Deus do céu, quatro anos depois!

Empurro o ombro dele gentilmente, mas furiosa. Me afasto ciente de que deixei uma boa quantidade de ranho em sua roupa, ressentida demais para me importar.

Contando Até DezOnde histórias criam vida. Descubra agora