Contando Até Dez

CAPÍTULO 5

❝Nenhum coração pode ser verdadeiramente conhecido, nem mesmo o meu próprio.❞ — Victoria Aveyard, A Rainha Vermelha.

De manhã, não consegui digerir nada no café. Nem a torta de morango da mamãe que adoro me pareceu apetitosa, embora ela estivesse se insinuando para mim com todas as suas calorias e a promessa velada de uma espinha na testa. Estava nauseada porque é sexta-feira, o que significa que o dia seguinte é sábado. O dia do temido encontro com Corbyn. E eu carregava um buraco no estômago que me corroía de ansiedade. 

De repente tudo parece uma péssima ideia: os garotos, a lista, tudo. Nem a notícia de ganhar um carro me animava mais. Viver é assustador. Principalmente porque ninguém te diz o que fazer. Tudo é novo e estranho, como um vasto território inexplorado, e o pior é que você é um forasteiro despreparado para esta jornada.

E agora, depois de ignorar Corbyn a aula inteira, me sinto estranha estacionando em frente á farmácia com letreiro ridículo em forma de capsula de pílula.

O Zangão parece um carro rústico e sem modos no meio das minivans reluzentes da Renault. Ele fica um pouco atravessado, se aproveitando do espaço de outra vaga vazia. Minhas habilidades de baliza são sem sombra de dúvida um crime contra o código de trânsito.

Tento descer do carro confiante pisando com firmeza a sola do all star branco no chão. Ajeito o boné azul escuro com a sigla U.S.A bordada na frente, enfio alguns fios soltos para dentro e sigo até a entrada. O patriotismo do meu pai serve para complementar meu guarda roupa e camuflar meu cabelo sujo nos meus dias mais preguiçosos.

Aqui está algo que aprendi observando. Sou boa em observar pessoas. E se você vai ao museu com frequência, tudo o que faz é observar e processar dados. Como um agente de campo. Logo, para realizar uma tarefa naturalmente aprendi que é conveniente que você prepare o material que será utilizado com antecedência. No meu caso, a boca. É por isso que estou encarando os protetores labiais com um olhar profundo e analítico. São melhores que batom, que não tem gosto e faz um estrago no rosto. Protetor labial tem sabor, como o Salada de Frutas e Morango Silvestre que me faz ficar na dúvida, além de não ter cor. Quero dizer, alguns sim, mas dificilmente te deixam com a cara do Pennywise se espalhado ao redor da boca em decorrência de um beijo espalhafatoso.

— O que você prefere: Salada de Frutas ou Morango Silvestre? — Pergunto para a vendedora. Ela tem uma cara de poucos amigos que não combina nada com a profissão. Seu cabelo é cor-de-rosa, como a pantera do desenho. Ela é rude, mas estilosa.

— Por quê? É tudo a mesma coisa no final das contas. — Responde, soltando um suspiro impaciente. Eu não queria dizer a ela que não estava exatamente interessada nas propriedades hidratantes do protetor.

— O sabor é importante. Qual você acha melhor? — Repito, juntando minhas sobrancelhas. Há um ponto de interrogação estampado no meu rosto. Eu precisava de uma opinião extra. E mesmo que ela continuasse me encarando com aborrecimento, eu não desistiria.

Ela pega os dois bastões da minha mão e remove a tampa de ambos, depois passa do dorso da mão e, por fim, lambe, experimentando com a ponta da língua.

— Morango Silvestre. Não tem gosto de morte. — Coloca as amostras de volta no suporte e pega um de morango lacrado. — Mais alguma coisa? — Pergunta em tom petulante.

Sob o olhar mal-humorado da vendedora, levei também um esmalte azul céu com o nome Cinderella e máscaras hidratante de pepino para o rosto. Eu queria parecer apresentável amanhã, mesmo que as coisas não dessem certo no final da noite.

Quando volto para o estacionamento, freio os sapatos diante da surpresa desagradável que me espera perto do carro, com as mãos nos bolsos da calça, vestindo camiseta branca, suéter e jaqueta de couro, como Ferris Bueller em Curtindo a Vida Adoidado. O que é irônico, porque a personalidade de Hardy Riviere e Ferris Bueller se confunde. Ambos são arruaceiros.